O
domínio capitalista da multidão de explorados baseia-se não somente na força do
aparelho coercivo do Estado mas, numa modelagem ideológica da multidão como em
nenhum outro sistema político, utilizando meios poderosos, também sem
precedentes históricos.
Essa
modelagem visa essencialmente que a multidão considere como natural e
inevitável a sua própria exploração e como real ou efectivo o seu (quase nulo)
controlo democrático da acção política e das grandes decisões.
Uma
dessas ilusões tem a ver com os processos eleitorais, restringindo aqui a
análise às democracias de mercado. E essa ilusão resulta tanto de condições
objectivas – controlo do processo pelo mandarinato e dos media pelo poder
económico – como de razões subjectivas – alienação da gestão da sociedade, por
parte da multidão.
Como
se disse em artigo anterior, as eleições valem o que valem, de acordo com o
espaço e o tempo em que decorrem. Não se defende o abandono liminar de todos os
pleitos eleitorais mas, apoia-se o concurso da esquerda às eleições em
democracia de mercado enquanto existir uma fatia substantiva da multidão que
acredita nas mesmas, como via de progresso e de democratização das estruturas
sociais e económicas.
Porém,
não basta, como tem vindo a ser feito pela esquerda institucional, apontar os
problemas existentes e as soluções técnicas em capitalismo e democracia de
mercado, por muito meritórias que sejam. E isso porque essas soluções ou são
aceitáveis pelo poder capitalista que assim até poderá surgir como subscritor
de propostas de “esquerda” ou são preteridas pelo mandarinato na contabilidade
dos custos e proveitos, dos equilíbrios entre os vários interesses que
constituem o bloco hegemónico do poder.
Vejam-se,
por exemplo, dois assuntos de extrema importância actual para a multidão em
Portugal: o desemprego e a segurança social. O primeiro não tem solução, no
quadro da globalização, em que o trabalhador é algo de descartável, como
qualquer mercadoria e, nesse contexto, os governos nada mais fazem do que orar
para que a exportação aumente. Quanto ao segundo, como no quadro actual nenhum
governo em Portugal vai onerar as empresas com uma contribuição social
proporcional à real produtividade do trabalho (ver artigo sobre a Segurança
Social em ESQUERDADESALINHADA.BLOGS.SAPO.PT) só há lugar à redução de
benefícios, ao aumento da idade da reforma, à penalização das pessoas por
adiarem a morte para mais tarde, o que escrupulosamente a máfia socratóide
cumpre, com o gasto alibi do deficit e o aplauso discreto da direita pura e
dura.
Assim,
deve a esquerda manifestar a insuficiência da democracia de mercado para a
resolução dos problemas e definir claramente a ausência de soluções reais
naquele quadro. E que não interessa colaborar com o poder mas, pelo contrário
prejudicar a sua acção que é, de facto, prejudicar o funcionamento do capitalismo,
a coligação mundial das multinacionais, do capital financeiro e dos negócios
mafiosos, contra a Humanidade. A cada fracção da multidão mundial, as suas
devidas responsabilidades na libertação colectiva da tara capitalista.
Admita-se,
por absurdo, que se mantém a rotina das eleições legislativas no estreito
âmbito da democracia de mercado. Acreditará alguém, com seriedade que a
esquerda institucional alcançará a maioria na AR ? O BE, por exemplo, mesmo que
mantenha regularmente os ganhos registados em 2005 (mais 5 deputados) só
conseguiria a maioria absoluta na AR dentro de … 74 anos, passadas três
gerações ! Por coincidência, o tempo que durou a corrupta monarquia
constitucional portuguesa até à revolução republicana.
O
plena e exclusiva actuação da esquerda no plano institucional nada tem
conseguido senão originar governos com actuação cada vez mais agressiva, contra
a multidão. Essa actuação suscita, em regra, escolhas assustadoras como a que
opôs Chirac a Le Pen, redundantes (Prodi ou Berlusconi) e poderá colocar aos
portugueses, daqui a cinco anos a preferência por Cavaco face a um opositor do
tipo Paulo Portas.
Compete
à esquerda e aos seus militantes, mesmo para os que consideram importante a
provisória pertença ou colaboração no quadro da esquerda institucional:
·
Fomentar
a desobediência, a insubordinação, o desprezo pela lei do Estado cleptocrático,
com a utilização das instituições para aqueles efeitos e o aproveitamento das
escassas oportunidades que elas oferecem a favor da multidão;
·
Assentar
a acção política em núcleos de acção e agitação particularmente fora das
instituições da democracia de mercado, demonstrando os limites da actuação das
mesmas (AR, assembleias municipais e de freguesia, tribunais…) e gerar
confiança na actuação autónoma da multidão;
·
Recriar
as organizações de massas, legais, como os sindicatos retirando-lhes toda a
carga de conservadorismo e gestão burocrática das leis, abrindo-os a sectores
sociais importantes como os desempregados, os imigrantes, os trabalhadores
precários.
·
Promover
a unidade de acção anticapitalista com os trabalhadores de outros países,
anulando a tara nacionalista que a direita gosta de promover e a esquerda
institucional tanto esquece.
16/7/2006
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