terça-feira, 4 de agosto de 2020

A evolução da riqueza na Europa (2000/19)



1 – A procura irrestrita de riqueza é uma adição
2 - Os níveis de riqueza na Europa e no mundo
3 - As hierarquias em 2000, 2008 e 2019

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1 – A procura irrestrita de riqueza é uma adição

A ideia da “mão invisível” gerada por Adam Smith representa a reprodução de um determinismo religioso, segundo o qual há divindades caprichosas ou sádicas para incutir nas pessoas ideias e práticas especificas. A mão invisível representa, pois, uma lei surgida como algo construído acima das vontades dos humanos que nada podem fazer para se oporem ou contestarem.

Vigorava então o racionalismo, a procura de leis para interpretar a natureza mas também as relações entre os humanos, no âmbito do otimismo e, mesmo do deslumbramento de uma nova camada social, autoconfiante, em franca progressão quanto a poder político e apropriação de bens e territórios; mesmo que à custa de guerras de apropriação daqueles, da pilhagem, da pirataria e da escravatura.

Ultrapassadas as lutas religiosas, com os deuses desmaterializados e os altares despidos, surgiram conceitos a merecer respeito e vénias como integrantes de uma nova concepção do mundo. A classe dos capitalistas sentia a necessidade não só de desbravar novas terras, plantas, conhecimentos técnicos e científicos mas, de conceptualizar à sua atividade no sentido do enriquecimento. Os capitalistas, através de repúblicas (Holanda e Inglaterra), apossaram-se do poder de estado, mesmo que mais tarde o devolvessem, a casas reais, como topo da representação do divino mas com um poder político limitado, para que se não tornasse um empecilho (antes pelo contrário) à acumulação de capital e simbolizasse a unidade da pátria para a guerra contra a concorrência.

Nesta arquitetura inseria-se e tornou-se inquestionável o papel da mão invisível, que se veio a confundir com a própria noção de mercado, físico e como local de encontro, de compras e vendas. Porém, a ideia de um preço resultante do livre e igualitário encontro entre compradores e vendedores veio a ser altamente subvertida e gradualmente substituída pela intervenção de multinacionais, monopólios, offshores, aparelhos de Estado, mandarinatos corruptos, poder militar, guerra, acordos internacionais, agrupamentos de países, criação desregulada de dinheiro e dívida por parte do sistema financeiro.

Assim, a economia passou da gestão e organização dos bens domésticos, concebida pelos gregos, tendo como objeto a satisfação das necessidades de uma família, para uma falsa ciência baseada na criação irrestrita e infinita de riqueza que tem como medida algo tão grosseiro como o PIB[1]. O consumo, fortemente incentivado, tornou-se uma compulsão; como compulsão se tornou também a restrição e desvalorização dos salários pelos capitalistas apoiados pelas classes políticas, más gestoras de aparelhos de Estado no que se refere a necessidades populares mas, ágeis como trampolins para financiamentos corruptos e empreendimentos sem utilidade pública.

A regulação do mercado consiste no engrandecimento de uma minoria de ricos e em dificuldades para assalariados (designação que tende a confundir-se com precários) e toda a panóplia de marginalizados, em países pobres ou ricos, jovens ou velhos, com ou sem elevadas qualificações. E, como é óbvio, nada disso tem a ver com uma ciência económica mas com escolhas e decisões políticas, determinadas acima, pelo conhecido 1% de grandes ricos.

A procura da riqueza, de modo irrestrito, corresponde a uma adição. Todas as necessidades humanas, individuais ou coletivas têm um limite. Daí que seja absolutamente demencial que o valor atribuído pelo mercado às cinco maiores empresas globais – Microsoft, Apple, Amazon, Alphabet e Facebook ($ 5.4 biliões, isto é, 5.4*10^12)[2] seja claramente superior ao PIB da Alemanha ($ 4.0 biliões) ou cerca de 22 vezes o PIB português. Se se pretender personalizar as cinco maiores fortunas pessoais (Bezos, Gates, Arnaud, Zuckerberg e Ellison), isto é, um total de $ 414000 mil milhões, encontra-se um valor próximo de dois anos de PIB português.


2 - Os níveis de riqueza na Europa e no mundo

Pretende-se neste documento proceder a uma avaliação das variações da riqueza média por adulto para os países europeus e alguns outros, de grande relevância – Brasil, China, EUA e Índia – para além do indicador referido ao Mundo. Por riqueza deve entender-se o conjunto de imobiliário, ações e outros títulos, equipamento doméstico e veículos, ouro e joias, depósitos, arte… Em breve, abordaremos, especificamente, a riqueza financeira média, por adulto.

O período considerado é representado pelo ano 2000, pelo emblemático ano de 2008 e, 2019; o que permite observar a evolução da riqueza por adulto, nos últimos vinte anos. Todos os elementos de base são retirados dos relatórios anuais produzidos pelo banco Credit Suisse com o título de “Global Wealth Databook”.    

No gráfico I sublinham-se vários aspetos:

·         Os maiores níveis de crescimento da riqueza observam-se particularmente no período 2000/2008, o tempo anterior à crise financeira iniciada ainda em 2007 e que se arrastou nos anos seguintes; e é esse período que sinteticamente reproduz o essencial do perfil para o período de vinte anos considerado neste estudo.

·         Entre 2000 e 2008, a nível global, registam-se apenas três situações em que os níveis de riqueza apresentam um crescimento anual médio inferior ao registado em 2008/2019 - Islândia (1.6%), EUA (2.1%) e Índia (19.6%). Os dois primeiros, com os valores mais baixos de acréscimo de riqueza, entre todos os países considerados, refletem alguma antecipação no desencadear da crise financeira, normalmente tomada como tendo o ano de 2008 como ponto de partida.

·         De facto, a Islândia teve a sua crise financeira causada por bolhas bancárias ancoradas em títulos europeus e americanos que conduziram os ativos dos três principais bancos a um espantoso aumento de 1000% em quatro anos. A contabilização desses ganhos especulativos repartidos por cada habitante de Islândia veio a corresponder a uma delirante dívida média de $ 330000. O delírio de muitos ancorou-se na fraude de outros pelo que, em 2015 já havia 26 banqueiros e afins envolvidos em penas de prisão[3].

·         No caso dos EUA, o estoiro dos subprimes ocorreu em julho de 2007 e o seu principal efeito ocorreu no ano seguinte. A valorização do imobiliário serviu para que agentes especuladores convencessem pessoas de classe média e média-baixa a contraírem novas dívidas alicerçadas no valor crescente das suas casas. Quando a bolha especulativa rebentou, o imobiliário baixou de valor, o desemprego atingiu muitos mas, as dívidas contraídas mantiveram o seu grau de exigência sem que os devedores as pudessem pagar. Isso tornou-se emblemático da cadeia da crise financeira que abalou o mundo, particularmente nos EUA e na Europa.

·         Há uma forte e generalizada redução dos níveis de crescimento da riqueza no período 2008/2019 comparativamente ao anterior (2000/2008); este período, sinteticamente reproduz o essencial do perfil para o período de vinte anos considerado neste estudo.

·         Em termos globais, passa-se de um crescimento anual médio da riqueza por adulto, de 6.8% entre 2000 e 2008 para 4.2% de 2008 para 2019. As excepções a esse perfil são apenas três, de acréscimos de riqueza no período mais recente – Islândia (de 1.6% anuais no primeiro período passa para 8.8% no mais recente), seguindo-se a Índia (14.6% e 19.6% anuais) e os EUA (2.1% para 6.9% de 2000/2008 para 2008/2019.

·         Para o período 2008/2019 a riqueza por adulto cresceu, na Europa apenas 1.3%, um valor que fica muito aquém dos 4.2% globais; destacam-se no cenário europeu a Moldávia e da Bulgária, dois países dos mais pobres da Europa, com aumentos anuais superiores a 10%.

Em 2019, face a 2008, há alguns casos de redução da riqueza acumulada por adulto. E, esses casos envolvem países bem conhecidos durante a crise das dívidas públicas. Chipre, apresenta um decrescimento anual médio da riqueza por adulto de 1.5%; Grécia -3.3%; Itália, -0.6% de redução média; Espanha, -1.7% de média anual; e ainda a Turquia com -1.9%. Como é sabido, a Irlanda deglutiu bem a intervenção num grande banco falido e, Portugal vai sobrevivendo, com um baixo nível de criação (registada) de riqueza, de salários e com elevado pendor para a emigração para além dos omnipresentes e intocáveis gangs partidários de corruptos, salafrários ou imbecis; … havendo ainda muita justaposição entre essas categorias.

·         É evidente a estagnação na criação de riqueza na Europa em geral no período 2008/2019 (1.3%), em contraste com a média mundial e com os quatro grandes países selecionados - China (20.4%), Índia (19.6%) e ainda pelos EUA (6.9%) e Brasil (6.3% anuais). Sublinhe-se a estagnação evidenciada no Japão, com 0.3% como média anual do acréscimo de riqueza.

·         Se a estagnação na globalidade da Europa é evidente, contempla contudo, diferentes situações. Por um lado, apresentam-se os países europeus mais pobres, do Leste, com crescimento dos níveis de riqueza acima da média global. São eles, a Albânia, a Bielorrússia, a Moldávia, o Montenegro, a Rússia e a Ucrânia, para além da Islândia e da Suíça; com baixos níveis de criação de riqueza, entre os não integrados na UE, contam-se a Noruega e a Sérvia.


Gráfico I - Variação anual média da riqueza por adulto (%)



No gráfico acima, destacamos, em síntese:

·         Os maiores níveis de crescimento da riqueza observam-se particularmente no período 2000/2008, o anterior à crise financeira iniciada ainda em 2007 e que se arrastou nos anos seguintes; e é esse período que, sinteticamente, reproduz o essencial do contributo para o perfil do período de vinte anos considerado neste texto.

·         Fogem a esse perfil vários países que nos referidos vinte anos potenciaram elevados aumentos da riqueza - China, Índia, Moldávia e Bulgária. Como é evidente, o período 2008/2019 não é o que mais se notabiliza pelo crescimento de riqueza somente surgindo a Islândia nessa situação, como foi referido atrás. É também neste período que se registam as quebras na riqueza acumulada de países como Chipre, Grécia, Itália, Espanha e Turquia, como referido atrás.

3 - As hierarquias em 2000, 2008 e 2019
Sinteticamente, segue-se a hierarquia dos países quanto aos níveis de riqueza tomando como base o parâmetro mundial (100= média mundial em cada um dos anos). Adiante apontaremos alguns factos mais notáveis.

Riqueza por adulto
Afastamentos e aproximações face à média mundial
2000
2008
2019
Ucrânia
2,8
Índia
9,5
Ucrânia
12,4
Moldávia
3,1
Moldávia
11,4
Moldávia
17,3
BieloRússia
6,3
Ucrânia
13,7
Índia
20,6
Sérvia
6,6
BieloRússia
21,0
BieloRússia
23,4
Índia
6,8
Brasil
28,7
Brasil
33,2
Rússia
6,9
China
37,2
Turquia
34,4
Bulgária
12,2
Rússia
39,3
Sérvia
35,4
China
13,7
Bulgária
41,4
Rússia
38,6
Roménia
15,7
Sérvia
46,0
Albânia
44,3
Montenegro
20,5
Albânia
49,5
Bulgária
60,2
Albânia
21,0
Roménia
63,0
Roménia
60,8
Brasil
22,4
Turquia
63,8
Hungria
62,6
Letónia
26,0
Hungria
67,4
Lituânia
70,9
Estónia
30,1
Lituânia
71,1
Montenegro
75,5
Lituânia
33,8
Letónia
75,6
Polónia
81,7
Rep. Checa
37,2
Rep. Checa
77,2
China
82,6
Turquia
37,5
Montenegro
78,5
Letónia
85,2
Hungria
38,4
Estónia
87,1
Croácia
88,6
Croácia
48,3
Polónia
97,3
Rep. Checa
91,3
Eslováquia
51,0
Croácia
117,8
Eslováquia
93,4
Polónia
51,8
Eslováquia
119,1
Estónia
110,7
Eslovénia
117,8
Malta
211,1
Grécia
135,7
Chipre
148,1
Eslovénia
220,4
Chipre
164,0
Portugal
167,1
Portugal
243,1
Eslovénia
172,9
Malta
167,2
Chipre
284,9
Portugal
185,0
Grécia
227,2
Finlândia
304,1
Malta
202,6
Finlândia
233,8
Grécia
309,1
Finlândia
258,5
Suécia
246,5
Suécia
340,2
Espanha
292,9
Espanha
246,7
Alemanha
366,1
Alemanha
305,8
Alemanha
305,7
Islândia
398,0
Itália
330,5
Irlanda
329,1
Grã-Bretanha
416,6
Japão
336,1
Noruega
333,7
Bélgica
454,6
Bélgica
347,4
França
336,5
Irlanda
454,9
Suécia
374,4
Áustria
341,6
Japão
474,4
Noruega
377,3
Dinamarca
351,9
Noruega
498,8
Irlanda
384,4
Bélgica
376,7
Áustria
504,8
Áustria
388,0
Itália
382,0
EUA
508,3
França
389,7
Holanda
420,2
Itália
513,7
Holanda
393,9
Luxemburgo
437,4
Espanha
524,1
Grã-Bretanha
395,3
Grã-Bretanha
473,8
Dinamarca
539,2
Dinamarca
400,9
Islândia
544,6
Holanda
552,8
Luxemburgo
505,3
Japão
611,1
França
565,3
Islândia
537,6
EUA
670,7
Luxemburgo
684,5
EUA
610,3
Suíça
736,6
Suíça
812,6
Suíça
797,0
Europa
198,2
Europa
279,0
Europa
217,3
MUNDO
100
MUNDO
100
MUNDO
100
 $ 31415
 $ 48507
$ 70849

  • Vários países apresentam evidentes melhorias na posição hierárquica. Uns, são países relativamente pobres e que subiram na hierarquia acima gerada – Bulgária, China, Estónia, Letónia, Montenegro Rep. Checa e Roménia; outros, tomados como ricos, melhoraram também a sua posição – Áustria, Dinamarca, França, Irlanda (a despeito da crise financeira), Noruega e Suécia.

  • Os casos de recuo na hierarquia contemplam, essencialmente, países mais pobres – Brasil, Hungria, Lituânia, Polónia, Turquia; e ainda a Bélgica.

  • A posição de Portugal não sofre grandes mudanças; porém, ultrapassa a Grécia, esmagada pela troika.

  • A Espanha mostra significativo acréscimo de riqueza em 2008 mas decai substancialmente em 2019, enquanto os EUA apresentam a situação inversa.

  • A Grã-Bretanha e a Islândia apresentam fortes perdas de posição em 2008 mas recuperam claramente em 2019, voltando para posições próximas das observadas em 2000 no âmbito das hierarquias evidenciadas acima. Com a Itália sucede o inverso, estabilidade em 2000 e 2008 e forte quebra em 2019. 

  • O Japão desce na sua posição hierárquica em 2008 e 2019 enquanto, pelo contrário, a Suíça se consolida como “o cofre-forte mundial” aumentando as suas distâncias sobre a concorrência.

Não se pode dizer que o capitalismo apresente a mesma face ou, a mesma dinâmica, em todas as latitudes ou longitudes. A diversidade e as desigualdades são a forma de se manter vivo e atuante; capaz mesmo de considerar a pandemia como fonte de negócios.

(continua)

Outros documentos em:    


[1] No plano de contas da UE (SEC 2010) enquadram-se os gastos militares como … investimento; isto é, a aquisição de uma bala de canhão é reprodutora de riqueza (leia-se PIB)
[2]  https://www.visualcapitalist.com/all-of-the-worlds-money-and-markets-in-one-visualization-2020/
[3] https://zap.aeiou.pt/islandia-ja-condenou-26-banqueiros-prisao-pela-crise-financeira-de-2008-86996. Como é sabido, a interpenetração entre a classe política portuguesa e a pastosa casta judiciária, mantém em liberdade e no gozo de uma boa vida, desde 2014, o conhecido Ricardo Salgado, sintomaticamente conhecido por  DDT (Dono Disto Tudo). Portugal costuma ser referido como terra de brandos costumes, sobretudo quando se fala das corruptas estruturas do poder.

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