As dinâmicas do capitalismo reproduzem desigualdades a
todo o momento e exigem uma constante redistribuição espacial da produção; o
salário mínimo é um instrumento dessa redistribuição e para uma conveniente paz
social
Sumário
1 –
Salário mínimo, um jogo de conveniências
2 –
Salário mínimo – estreitamento do leque entre pobres e menos pobres
3 –
Comparação do salário mínimo em Portugal com os dos países mais ricos
4 –
Comparação do salário mínimo em Portugal com os dos países mais pobres
5 – Comparações através do salário
médio horário divulgado pela OCDE
6 –
Encolhimento dos rendimentos do trabalho em Portugal
++++++++++ | | |
| | ++++++++++
1 – Salário
mínimo, um jogo de conveniências
A
existência de um salário mínimo pode ser uma via de estabelecer alguma
dignidade ao trabalho, embora da sua inexistência não decorra necessariamente
que não há limites à exploração dos trabalhadores; os países escandinavos e
outros, na Europa, estão aí para o demonstrar. O salário mínimo visa
estabelecer um parâmetro que, com a chancela estatal, garanta a existência das
mais baixas estirpes do empresariato; um género de seguro para os
“investidores”.
Mesmo
com esse caráter oficial, não é aplicável para muito do trabalho precário ou,
não qualificado, que alimenta a enorme massa de atividades tomadas como
contidas na economia dita informal ou paralela. Por outro lado, o uso e abuso
dos chamados recibos verdes, da figura do trabalho como independente (?)
corresponde à ausência de abrangência da figura do salário; e visa assegurar a
precariedade, permitir um despedimento, sem prazos ou indemnizações, uma vez
que o trabalhador exerce atividade como “prestador de serviços”. Como o
“prestador de serviços” acarreta com a maior fatia de descontos para a
Segurança Social, essa figura, para o empresário é mais favorável do que um
contrato de trabalho, no âmbito do qual, o chamado “empregador” acarreta com
essa maior fatia.
Essa
realidade, esses truques legislativos e regulamentares exercem uma pressão
sobre todos os níveis salariais, mormente baixos ou intermédios, na proximidade
do salário mínimo, pagos por empresas de menor rendabilidade e que encontram
naquele referente, um elemento quantitativo útil para a prevalência, em geral
de níveis salariais tão baixos quanto possível; e, para mais, sendo objeto de
uma bênção governamental. Serve ainda para disciplinar as reivindicações
sindicais, que tomarão como referente geral o tal salário mínimo, como elemento
de ajustamento dos rendimentos do trabalho às necessidades das empresas, com
todos os convivas – governo, sindicatos e patrões - muito cientes e irmanados
pelo respeito para com os interesses nacionais…
A fixação do salário mínimo inspirou a criação de um outro parâmetro de referência
– o IAS-Indexante dos Apoios Sociais –
aplicável a todas as prestações solidárias que amenizam a pobreza.
Recordemos
que na lógica do capitalismo, mormente neoliberal, são as empresas que criam o
emprego, competindo aos trabalhadores aceitar o sacrifício de um baixo salário
que evite falências e desemprego. Numa revisão empresarial do Genesis, Deus
criou primeiro o empresário e depois o trabalhador para o servir.
Nessa
lógica circular, para as empresas, os salários são essencialmente um custo de
produção ainda que diferente dos restantes custos, pois é o trabalho que cria
valor; e a parcela desse valor criado e que é distribuído aos trabalhadores sob
a forma de salário é um elemento essencial para garantir um elevado nível
global de consumo que, por sua vez, vai garantir a existência dos capitalistas.
É
difícil a vida dos capitalistas... Sobretudo, no contexto de um determinado
estado-nação, numa época em que não existindo, para a circulação das
mercadorias, os pesados crivos fronteiriços e alfandegários de outrora, a
concorrência é sempre algo presente e, para mais, com dimensão e conteúdo pouco
previsíveis.
A
perpetuação do capitalismo exige a existência de normas salariais e laborais
consensuais, pacificadas, mesmo com sacrifício, pelos trabalhadores; importante
mesmo é que os capitalistas acumulem capital ininterruptamente e em montantes
crescentes, para acompanharem o progresso tecnológico e investirem, garantindo
uma boa vida aos ditos empreendedores e uma paga condigna aos seus servidores,
mormente às castas militares, policiais e às classes políticas; e que se
mantenha um alto nível de consumo, que absorva o rendimento de quantos
trabalham, para que o ciclo do capital se feche e renove.
Claro
que há uma narrativa piedosa que considera o salário mínimo como um patamar que
evita uma degradante miséria que desenvolva roubos, assaltos, mendicidade,
prostituição; cabendo pois, ao Estado, como “representante de todos nós”, olhar
para que a pobreza se mantenha num nível tolerável; que, não incomode os bem
instalados, nem afugente os turistas, cuja passagem pelo torrão pátrio tanto
beneficia o imobiliário, a hotelaria, a restauração, a economia paralela e o
abastecimento de off-shores. Aliás, a
existência de pobreza é mantida pois muitas empresas e grupos religiosos vivem
da delegação que o Estado lhes faz dessa pobreza; devidamente abastecidos pelo
dinheiro dos impostos, que também pagam a fiscalização desses arcanjos
empenhados no combate da pobreza, cujas fraudes são frequentes. Para esses
dedicados combatentes da pobreza, quanto mais pobres necessitarem de ajuda…
melhor!
Por
outro lado, uma pressão exagerada sobre os rendimentos do trabalho pode gerar
surtos grevistas, manifestações e convulsões sociais ou políticas, pouco
favoráveis para a obtenção de um sorriso da parte das empresas de rating; e, esse rating, fornecido através de ignotas métricas, dá indicações para o
mercado, sobretudo para os níveis das taxas de juro que sustentam aparelhos de
estado, classes políticas, endividamento empresarial e dos consumidores, cujo
bom ritmo de crescimento constitui a alegria do sistema financeiro. A mansidão
na área laboral é, na realidade, uma exigência dos mercados.
A
vigência de um salário mínimo não é algo de aplicação cabal. Primeiro, porque
existem diversificados níveis de economia paralela onde aquele salário não é
praticado. Depois, porque o uso
e abuso de horas de trabalho extraordinário,
não contabilizado nas estatísticas, nem pago, reduz efetivamente a retribuição
por hora de trabalho para muitos assalariados. Por outro lado, o trabalho a
tempo parcial ou o trabalho precário, constituem técnicas de gestão para a
domesticação da força de trabalho e de embaratecimento do seu peso nos custos
de produção.
A
fixação de um salário mínimo – onde exista[1] –
constitui um elemento geral de comparação, para os capitalistas globais,
mormente para os investidores que procuram local para uma rentável instalação.
Faz parte da esgrima habitual no seio das classes políticas, entre governos e
organizações do patronato - que se dizem em grande esforço para aumentar o
salário mínimo – e que têm como contraponto as oposições ou as organizações
sindicais que, por deveres de ofício, clamam sempre mais. Aliás, o jogo
mediático contraria a realidade; os aumentos no SMM correspondem ao preço de um
café diário e, não
produzem quebras no emprego nem custos adicionais relevantes nas empresas. Não promovem, portanto, qualquer redistribuição do
rendimento.
Esta
lógica de diálogo, de procura de consenso entre o trabalho e o capital permite
a continuidade do capitalismo, nada altera na sua essencialidade. Não evita o
desvario ambiental e climático, não estanca as lógicas militaristas, não
destrói as taras nacionalistas nem fomenta as solidariedades da multidão; não
coarta a pulsão genocida do capital, a sua focagem na redução substancial da
Humanidade e mostra-se neutra face a deriva capitalista em rédea solta, entregue às suas próprias dificuldades e
contradições, apostando - e decididamente - nas tecnologias que ajudem a
perpetuar o sistema.
Essa
lógica de diálogo consiste na permanente procura de redução de um prejuízo,
sabendo-se que o mesmo se vai reproduzir muito em breve. Demasiadas vezes,
esses acordos saudados como vitórias dos trabalhadores rapidamente são
torpedeados pela inflação, pela manipulação das formalmente caóticas
legislações laborais e tributária e outros parâmetros que a tentacular máquina
estatal tem ao seu dispor. Contrariamente aos humanos, os gatos não perdem
tempo a tentar alcançar a ponta da cauda... caçam ratos!
No
âmbito das democracias de mercado e no seio da grande convergência estratégica
entre os governos e as oposições respetivas, discute-se muito a partilha dos
rendimentos da propriedade capitalista mas nunca a fulcral e basilar questão da
propriedade capitalista, ela própria, encarada implicitamente, como uma
legítima dádiva dos deuses a alguns, com exclusão da grande massa da multidão.
2 – Salário
mínimo – estreitamento do leque entre pobres e menos pobres
Como
qualquer outra referência económica, os indicadores são aproximações da
realidade. Tomamos para aferição da realidade, um indicador; os salários
mínimos mensais (SMM) divulgados pelo Eurostat, relativos aos primeiros
semestres de cada um dos anos contidos no período 1999/2018 e para os países
englobados na UE; e em valores brutos, antes da dedução de impostos ou
contribuições para a segurança social.
Os
valores utilizados não são referentes a qualquer unidade monetária existente
mas sim em “paridades de poder de compra”, uma moeda artificial para a qual são
convertidos os preços - expressos previamente em cada moeda nacional - de um
dado cabaz de compras de bens ou serviços. Mede-se pois, o custo desse cabaz
numa unidade uniforme que, na realidade, compara os poderes aquisitivos nos
diferentes países.
Não
seria fácil e atraente observar um quadro ou um gráfico contendo valores de SMM
para todos os países, mesmo que vários não tenham SMM como expressámos em nota,
mais atrás; e, para mais, para um lapso de tempo de 20 anos. Ainda assim,
excluímos mais nove países[2] da
comparação a que procederemos.
Comecemos
por observar a grande aproximação no período 1999/2018 entre o SMM mais elevado
(sistematicamente aquele que é definido no Luxemburgo) e o mais baixo da UE que
se verifica, em vários países da Europa de Leste. Assim, o SMM luxemburguês
subiu 42% e os valores mais baixos chegam a crescer cerca de 13 vezes, no caso
da Roménia, no referido período. Assim, o valor mais elevado era 18.5 vezes
superior ao SMM mais baixo em 1999, seguindo-se no decorrer do tempo uma
aproximação que conduz a 2.9 vezes, no primeiro semestre do ano corrente. (ver
gráfico 1).
Relação SMN mais
elevado/mais baixo (1999/2018 Gráf. 1
Fonte primária -
Eurostat
Há
uma tendência de aproximação entre os valores do SMM, sem
que se pretenda uma uniformização; o
capitalismo exige, só existe através de desigualdades, entre pessoas, regiões,
países. Essa aproximação mostra-se até 2007 por um crescimento de 238% do SMN
mais baixo na Roménia e na Bulgária a que corresponde no mesmo período um
aumento de 31.7% do mais elevado SMN da UE. No período 2007/13 a evolução dos
mesmos parâmetros é muito mais branda e corresponde a variações de 47% e 15%,
respetivamente, retratando os impactos da crise financeira; e em 2013/18 os
cálculos reproduzem aumentos de 95.7% para um SMN balcânico e de 11.8% para o
caso do Luxemburgo, com um grande dinamismo nos valores dos países com SMM mais
baixo com relativa estagnação nos mais ricos.
Com
essa aproximação pretende-se sejam mantidas as diferenças suficientes para
separar as atividades económicas de maior valor acrescentado ou conteúdo
tecnológico – e concentrá-las nos países mais ricos - daquelas outras de mão de
obra mais intensiva e menos especializada, que se tomam como adequadas para uma
especialização dos países de menores SMM, os
mais pobres da UE.
A
segmentação da produção dos bens mais complexos representa a colocação das
parcelas menos nobres em países periféricos, de mais baixo custo salarial, com
os elementos mais sofisticados e estratégicos mantidos nos países do Centro
capitalista que assim dominam toda a cadeia; nesses contexto, as economias dos
países periféricos perdem qualquer articulação de caráter nacional - como
acontecia no tempo das economias nacionais - e firmam-se, numa situação de
dependência e fragilidade, como simples corredores intermédios, de passagem dos
fluxos incluídos nas redes das transnacionais. Nesse contexto de aproximação
está contida uma pressão para uma relativa estagnação do SMN nos países mais
ricos.
Na
UE não há preocupações de criação de um espaço homogéneo. A realidade social é um campo onde se refletem as
preocupações das economias mais integradas no comércio global e das suas
empresas de topo; a melhoria das condições de vida das pessoas não é um
objetivo central mas antes, um instrumento que se ajusta às necessidades dos
negócios, na arena da competição global. E daí que os SMN – calculados em
termos de paridades de poder de compra, recordemos - tenham sofrido quebras nos
anos iniciais da crise financeira.
A
entrada da China na OMC, em 2001, criou uma nova pressão sobre a UE - então com
15 membros, sendo os mais pobres Grécia e Portugal - com a subsequente maior
facilidade da entrada de bens chineses com preços competitivos. Por outro lado,
a Leste encontravam-se os antigos membros do Comecon, com trabalhadores
qualificados e baixos salários, separando a rica UE e a Rússia, antiga potência
tutelar, a braços com um difícil enquadramento geoestratégico e de
reconfiguração do seu modelo económico.
A
integração dos países do Leste - entre 2007 e 2013 - fez parte de uma
estratégia defensiva dos países mais ricos da UE, contra uma entrada mais
massiva de importações da China; foi a criação atrasada de um cantinho de
Sudeste Asiático na Europa. A crise financeira iniciada em 2008 promoveu a
estagnação económica e dos rendimentos na Europa, enquanto na China o impacto
da crise nas exportações foi compensado com um impulso keynesiano interno, com
a construção de habitações e aumentos de rendimentos; e, ainda, investimentos
na Europa cuja fragilidade estratégica, económica e demográfica terá inspirado
o grandioso projeto
da Rota da Seda.
A
redução das diferenças nos salários fez parte do processo de integração na UE
dos países do Leste europeu, com estruturas produtivas mais frágeis, a integrar
na órbita das grandes empresas dos países mais ricos da UE, como anteriormente
acontecera com Portugal e Grécia.
As
diferenças salariais entre o Leste e o Oeste dos integrantes na UE deveriam
tornar-se menos acentuadas para que se pudesse (e possa ainda) conter num plano
moderado e calculado, as migrações dos países mais pobres da UE para os mais
ricos; essas migrações são destinadas a gente de maiores qualificações, numa
movimentação facilitada num contexto de fronteiras abertas ou, a estudantes,
como estagiários para uma integração no “eldorado”. Essa criteriosa seleção foi
mais recentemente praticada quanto aos refugiados do Médio Oriente, mormente na
Alemanha; e recusada, com evidentes tiques racistas, para os africanos que
pretendem desembarcar na margem norte do Mediterrâneo, depois de uma perigosa
travessia do mar.
Se as
diferenças forem muito grandes, a contiguidade territorial facilitará uma
debandada de gente qualificada e não qualificada, esta última, disposta mesmo a
uma relativa marginalidade social e económica nos ricos locais de destino.
Pretende-se estabelecer uma diferenciação salarial que deixe nos seus locais de
origem, pessoas e atividades de menor exigência de qualificações, sem os custos
humanos da emigração, das separações familiares e, sobretudo, não desejados no
triângulo Londres-Berlim-Milão… enquanto Londres for um desses vértices.
Os sucessivos
alargamentos da UE e a agilização da circulação de bens, capital e – com
limitações – de pessoas, não visam apenas a segmentação da produção de bens e
serviços, em função da criação de diversos níveis salariais. As populações mais
pobres ou menos ricas podem também consumir bens ou serviços provenientes dos
países ricos, que encontram nos primeiros um escoamento para bens mais baratos
ou de menor qualidade, a partir das suas próprias poupanças ou recorrendo ao
endividamento junto do sistema financeiro, diretamente nos bancos globais ou
nos bancos locais que, muitas vezes se financiam junto dos de maior dimensão,
sediados nos países ricos. Em suma, a integração faz-se em vários planos – a
nível político, da produção material, no consumo e na área financeira mas,
sempre num quadro de desigualdades. Como
dissemos atrás, o capitalismo fomenta e vive
de desigualdades, quer nos espaços
plurinacionais, como nos espaços integrantes de
cada
espaço-nação.
3 – Comparação do salário mínimo em
Portugal com os dos países mais ricos
De
seguida, vamos considerar um conjunto de
18 países da UE, divididos em dois grupos: o dos mais ricos e outro, englobando
os mais pobres, no princípio do século, com os seus respetivos SMM calculados
em comparação com o estabelecido para Portugal, através de um período de 20
anos. Assim, a Portugal atribuímos aos SMM anuais um índice de 100, sendo os
indicadores dos outros países calculados tendo o valor vigente em Portugal como
referência. Concentramos num gráfico a evolução dos SMM dos países mais ricos,
face a Portugal e, mais à frente, um outro em que essa comparação é feita com
os mais pobres.
Na
comparação face aos países ricos (… e dois ma
non troppo, como Espanha ou Grécia) denota-se que (Gráf. 2):
·
os SMM dos países
considerados são, em regra, bastante superiores aos que têm vigorado em
Portugal, com maiores proximidades no caso de Espanha e da Grécia;
·
as reduções
observadas para o Luxemburgo, a Holanda, a Bélgica e a França correspondem a cerca
de 40% do SMN português, centradas nos primeiros anos após a crise financeira
e, depois de 2014. A Alemanha mostra também esta última tendência a partir do
momento em que criou um SMM. Neste conjunto, o SMM mais baixo, no ano em curso,
regista-se em França e corresponde a 1,73 vezes do equivalente lusitano;
·
A Irlanda é um caso
atípico, crescendo substancialmente o seu indicador até 2008, decaindo daí em
diante até atingir o ponto mais baixo em 2018; e num nível 61% superior ao SMM
português. Recorde-se que os trabalhadores irlandeses pagaram a monstruosa
burla de um banco que causou um deficit público de 32%;
·
Na Grã-Bretanha, o
pendor crescente do SMM observa-se até ao surgimento da crise financeira e
mantém-se com valores estáveis desde então, atingindo em 2018, o correspondente
a 1,53 vezes do SMN português;
·
Em Espanha, o SMM
oscilou em torno dos 120% do valor português até 2009 mas situou-se, desde
então, abaixo dessa fasquia. Mais problemático tem sido o caso da Grécia onde
em 2008 o SMM correspondia a 1,47 vezes do português, decaindo depois
regularmente, sobretudo em 2013, com uma queda brutal de 140 para 111.6% do
indicador português; e que continuou a decair até se situar apenas 2% acima do
SMN aplicado aos portugueses.
Relação SMN mais elevados/SMN em Portugal (1999/2018) Gráf. 2
Fonte primária - Eurostat
Como é evidente, o panorama exposto no
gráfico acima não resulta de grandes aumentos do SMM em Portugal, medidos,
recordamos, em paridades de poder de compra: 3.2% em 1999/2007, 1.8% em 2007/13
e 3.1% em 2013/18. Essa aproximação resulta, apesar dos aumentos serem pouco
significativos, de serem superiores aos dos países ricos.
4 – Comparação
do salário mínimo em Portugal com os dos países mais pobres
Iremos
proceder, em seguida a uma análise dos países mais pobres que selecionámos,
tendo novamente a situação portuguesa como elemento de comparação (Gráf. 3).
·
Para todos os países
se mostra uma franca aproximação face ao padrão, o SMM português e, a partir de
valores claramente inferiores a Portugal, no princípio do século; com a
excepção da Eslovénia que em 1999 apresentava um valor muito próximo do
indicador português (103.7 contra 100) e que, depois de atingir um índice de
139.7 em 2014, decai para 124 no presente ano;
·
Os países que em
1999 apresentavam indicadores inferiores mais próximos de Portugal superaram-no
recentemente: a Polónia em 2013 e a Turquia em 2016. E a Roménia que em 1999
apresentava um SMM mais de sete vezes inferior ao português, atingiu a paridade
no primeiro semestre do ano em curso. Refletindo, portanto, o empenho
empobrecedor do governo do miserável passecos como o dos simpáticos
geringonços…
·
Mais genericamente,
nenhum país regride face a Portugal no período considerado e, não será
desajustado que nos próximos anos haja mais ultrapassagens pelos outros países
do grupo de Visegrad, para além da Polónia que já procedeu a essa
ultrapassagem. Essa compreensão de um permanente empobrecimento relativo pode,
por exemplo observar-se no escasso interesse dos refugiados em se estabelecerem
em Portugal, para além do tempo necessário para deterem documentação que lhes
permita circular na UE;
Relação SMN mais baixos/SMN em Portugal
(1999/2018)
Gráf. 3
Fonte primária – Eurostat
4 – Comparações
através do salário médio horário divulgado pela OCDE
A utilização de
elementos compilados pela OCDE, sobre salários mínimos horários (SMH), medidos
em US$ e a preços constantes de 2017, corrobora as conclusões acima expostas a
partir dos dados publicados pelo Eurostat.
Para o período
2000/2017 o SMH para Portugal evolui com uma taxa de crescimento anual de
1.44%; inicia o período com um valor de $ 4.4 e fecha-o com $ 5.5, refletindo
um “fabuloso” aumento de $1.1 em 17 anos[3]!
Com taxas de crescimento inferiores evidenciam-se a Bélgica, a França, a
Irlanda, o Luxemburgo, a Holanda e a Espanha, para além da Grécia, onde se
observou uma regressão de 8.1% no SMH, entre 2000 e 2017, pelas razões que são
sobejamente conhecidas. Sem referir novamente o caso grego, a evolução do SMH
em Portugal somente encontra níveis maiores de estagnação nos citados países
ricos, com pagamentos mínimos de hora de trabalho substancialmente superiores,
excepto no caso da Espanha.
Há, pois, uma
aproximação entre os valores referentes aos paises mais ricos da Europa
Ocidental, com baixas progressões no SMH durante o período considerado e os
indicadores dos países a Leste - do Báltico ao mar Negro - e do Mediterrâneo,
com uma evolução bem mais dinâmica.
A relativa
estagnação do SMH dos países ricos e a dinâmica daqueles países situados a
Leste estreita as diferenças entre os indicadores dos dois conjuntos, ainda que
as diferenças se mantenham acentuadas. Em 2000, Grécia e
Portugal tinham, com valores inferiores aos seus SMH, nove países; um número
que passou para seis em 2017 (depois da saída do pelotão da Polónia, da
Eslovénia e da Turquia). Portugal e Grécia, sofreram, em doses distintas a
austeridade, a apropriação das suas principais empresas e bancos, por capitais
externos, o pagamento das respetivas derivas financeiras, dos bancos ou da
classe política, através de dívidas públicas colossais; e, colocando-se
claramente entre as regiões com mais baixos níveis de SMH, na Europa.
Um elemento novo e interessante que os dados da OCDE
introduzem é a consideração de vários países de outras áreas do planeta, como a
Austrália e a Nova Zelândia; a Coreia do Sul e o Japão; o Canadá, os EUA e o
México; o Brasil, o Chile, a Colômbia e a Costa Rica; a Rússia; e a genocida
entidade sionista. Trata-se de um conjunto heterogéneo, geográfica, cultural e
economicamente mas, onde preponderam quintais, protegidos e outros países que
efetuam órbitas mais distanciadas dos EUA; para além da Rússia que constitui um
velho rival estratégico dos governos norte-americanos.
Entre esses países, em 2000, seis tinham um SMH superior
ao português, acrescentando-se a Coreia do Sul a partir de 2013. As elevadas
taxas de crescimento do SMH registam-se em países onde aquele valor era baixo
(Chile, Coreia do Sul, Brasil) ou particularmente baixo (Rússia); note-se que o
salário médio na Rússia é da ordem dos € 515.
Salário mínimo horário ($)
|
|||
|
2000
|
2017
|
Var. anual média
|
Austrália
|
10,1
|
11,3
|
0,66%
|
Canadá
|
6,7
|
8,4
|
1,45%
|
Chile
|
1,8
|
3,0
|
3,84%
|
Entidade sionista (Israel)
|
4,7
|
6,2
|
1,76%
|
Japão
|
6,3
|
8,0
|
1,63%
|
Coreia do Sul
|
2,6
|
6,4
|
8,70%
|
México
|
0,9
|
1,0
|
0,64%
|
Nova Zelândia
|
6,5
|
9,5
|
2,71%
|
EUA
|
7,3
|
7,3
|
-0,06%
|
Colômbia
|
2,0
|
2,5
|
1,48%
|
Costa Rica
|
2,7
|
3,3
|
1,29%
|
Brasil
|
1,0
|
2,2
|
6,67%
|
Rússia
|
0,2
|
1,7
|
56,50%
|
|
|||
Portugal
|
4,4
|
5,5
|
1,52%
|
Fonte
primária - OCDE
Somente na Austrália e na Nova Zelândia os SMH apresentam
um nível equiparado ao dos países ricos da Europa, com o Canadá e o Japão a
apresentarem valores um pouco inferiores, ao nível do apresentado pela
Grã-Bretanha.
Por seu turno, os EUA, com todo o seu poder económico,
militar e financeiro procederam a uma quebra do SMH de $ 7.3 para $ 6.5, entre
2000 e 2007, elevando-o depois até aos $ 8.1, no período do embate da crise
financeira; e colocando-o de novo em queda regular até aos $ 7.3, em 2017… por
coincidência, o montante que vigorava em 2000! Na Europa, os países com
indicadores recentes mais próximos dos que vigoram nos EUA, são a Eslovénia e a
Espanha.
Ainda tomando os EUA como exemplo paradigmático do
conteúdo do modelo neoliberal do capitalismo note-se que em 1948/73 o aumento
da produtividade foi de 96.7% e o dos salários reais 91.3%. Com a entrada em
cena do neoliberalismo, o aumento
de produtividade no período 1973/2015 foi de 73.4% e o dos salários… 11.1%!
Grande vitória da Wall Street…
Sublinham-se ainda os baixos indicadores dos países da
América Latina, a começar pelo México onde o SMH se manteve uniforme ($ 0.9)
entre 2000/2016, subindo para $ 1 em 2017! É evidente que esta situação vem
alimentando as maquilladoras na
margem sul do Rio Grande e promove a aceitação de todos os perigos de uma
travessia clandestina de uma fronteira murada e militarizada; sem garantias de
trabalho ou legalização da estadia nas terras do Grande Irmão. A pobreza, por
sua vez, entra em comunicação com os tráficos, cujos gangs constituem, no
México, uma alternativa de vida para os pobres e uma via de enriquecimento para
as corruptas elites políticas; esta pobreza e desestruturação social beneficiam,
evidentemente, quem pretende – nos EUA - uma força de trabalho numerosa, mal
paga, com parcos direitos e semi-clandestina.
5 – Encolhimento dos rendimentos do trabalho em Portugal
Como dissemos atrás, em relação a Portugal, há dois tipos
de aproximação no seio do “mercado global do trabalho”. Primeiro, porque se vem
desenhando um pouco significativo crescimento do SMH nos países mais ricos e
que, mesmo assim não se tornam atingíveis pelos níveis salariais vigentes em
Portugal. E, em segundo lugar, porque o ritmo de crescimento do SMH português –
pela sua relativa estagnação - tende a ficar cada vez mais próximo dos
alcançados pelos países do Leste europeu; e, talvez num lapso de tempo mais
dilatado, se venha a situar ao nível de alguns dos países da América Latina...
mostrando-se assim as grandes qualidades de gestão da classe política.
Em Portugal, beneficiando da mansidão e do conformismo da
plebe, o regime político pós-fascista, através do aparelho de estado – numa
cópia do verificado durante o fascismo - procede a uma enorme transferência de
rendimentos em desfavor do trabalho, numa extorsão primária por via fiscal,
contributiva e normativa.
Essa grande acumulação de rendimentos no aparelho de
estado é redistribuída sob várias formas, pelas mãos do governo de turno, com a
conivência da chamada oposição.
·
As contribuições,
acumuladas e não pagas, à Segurança
Social, mormente pelas empresas, passou de 6528
M em 2010 para 11567 M em 2016; e na sua grande maioria jamais serão pagas,
como é prática
antiga;
·
O setor financeiro
foi recapitalizado pelo erário público (CGD, fundo de restituição), pela
assunção pública de € 12000 M de dívida para esse fim, pela acumulação de
malparado na Parvaloren…;
·
Em 2017, 37.2% da
cobrança de IVA foi restituída ou objeto de reembolso a empresas ou a
instituições tão úteis como as Forças Armadas. Quanto ao IRC, as restituições e
reembolsos valiam 22.6% do valor enunciado na Conta Geral do Estado;
·
A classe política
decide sobre as suas próprias mordomias – os partidos não pagam impostos – e
muitos dos seus membros aproveitam-se das suas posições para “assessorarem”
empresas; para além da larvar corrupção que coloca Portugal no pódio da Europa
Ocidental;
·
A dívida pública é,
em grande parte, ilegítima e constitui uma renda a pagar ao capital financeiro;
mas é aceite como empréstimos normais pela classe política que, para o efeito
onera a população com um custo em encargos, da ordem dos € 730 por habitante,
no ano em curso.
Para quem precisar de um desenho, segue uma aproximação:
|
2010
|
2019 (orç)
|
Var %
|
IRS
|
8937
|
12905
|
+44%
|
IRC
|
4592
|
6336
|
+38%
|
ISP
|
2406
|
3643
|
+51%
|
IVA
|
12146
|
17499
|
+44%
|
Selo
|
1539
|
1684
|
+9%
|
Taxas e multas
|
590
|
1136
|
+92%
|
Remuner. dos empregados
|
84850
|
*86241
|
+1.6%
|
Remuner. média dos trab. (€)
|
899
|
**925
|
+2.9%
|
Ganho médio dos trabalh. (€)
|
1075
|
**1108
|
+3.1%
|
*Dados
de 2017 ** Dados de 2016 OGE/CGE
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
[1] Segundo dados do Eurostat, na Europa não existe salário mínimo
definido, na Áustria, em Chipre, na Dinamarca, na Finlândia, na Islândia, na
Itália, na Noruega, na Suécia e na Suíça. Segundo a Wikipedia, o salário bruto
anual na Bielorrúsia será equivalente a $ 1733, na Bósnia-Herzegovina $ 2177,
na Moldávia $ 810, na Sérvia $ 4649 e na Ucrânia $ 2573
[2] Albânia, Croácia, Estónia, Lituânia, Malta,
Montenegro, Sérvia/Antiga Jugoslávia e EUA
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