Observando as
notícias de um livro sobre a Segurança Social (SS) coordenado pelo conselheiro
de estado Francisco Louçã; recordando um debate promovido em Lisboa, em 2015; e
tendo em memória publicações da (também) comentadora da TV Raquel Varela, anos
atrás, demonstra-se que a silly season é altura para vulgaridades e
superficialidades. O que é pena, pois a grei teria beneficiado mais se a equipa
tivesse aproveitado o seu tempo na praia.
1 - A
turma do conselheiro fez aturados cálculos para se saber que sem cortes, nem
desemprego, nem necessidade de pagar subsídios de desemprego nem… o deficit
seria zero. Brilhante! O excel não falha. É uma conclusão do género “se a minha
avó não tivesse morrido, ainda hoje estaria viva”. Tautológico, caro Louçã!
O
conselheiro e a sua equipa afirmam sinteticamente uma imensa barbaridade: que o
“problema chave” da economia portuguesa é a criação de emprego, a redução da
precariedade que destrói o emprego e a sustentação da segurança social.
Certamente que nas claques de Catarina ou Jerónimo se sorve a mesma miopia.
2 - É
o que se chama confundir o efeito com a causa. Falemos, então, de causas:
·
O problema chave é o
torniquete da dívida pública ou privada, mecanismo inventado pelo sistema
financeiro para gerar um pesado comprometimento dos nossos rendimentos para
pagar eternamente uma fatura de juros, como convém à engorda do próprio sistema
financeiro;
·
Esse torniquete é
manejado pela Comissão Europeia, pelo Eurogrupo, pelo BCE, em mancebia com o
capital financeiro, no contexto de uma arquitetura politica radicalmente
antidemocrática. E ficámos a saber que foi um tal Moedas que convenceu o resto do gang
bruxelense a não haver sanções. Uma estátua ao homem, já!
·
O pagamento de
encargos com a dívida, este ano, de 820 euros/habitante, não deve ser problema
para o conselheiro e sua companha de águas turvas. Sabemos que ele, como toda a
classe política, não encontram nada de mais avançado do que uma reestruturação
da dívida pública que pouco adiantaria para o
sufoco que se vive;
·
Os encargos com a
dívida pública bloqueiam o investimento público (mesmo que o G20 aconselhe esse investimento), justificam a
austeridade, mantêm o definhamento do poder de compra, não aligeiram a enorme punção
fiscal, nem estancam a emigração; e, portanto, ninguém investe em Portugal.
Ninguém? Não, há estrangeiros que compram imobiliário; há quem invista na
exploração de petróleo junto a zonas turísticas; há quem transforme os centros
das cidades em grandes manjedouras para turistas remediados; Relvas e os amigos
querem comprar o Efisa, esse salvado do BPN…
·
O problema do
endividamento das empresas - um dos mais elevados na Europa - é protagonizado
por uma classe empresarial sem capitais, nem qualificação e que não contrata
trabalhadores a não ser precários, mal pagos ou subsidiados pelo IEFP; mas que
gosta de apoios do Estado… e de que maneira! Que
economia capitalista funcionará quando os principais capitalistas são apenas
grandes merceeiros, beneficiários de benesse estatal para vender gasolina ou,
cobradores de rendas nas autoestradas, numa reedição de direitos feudais,
pré-capitalistas?
·
Esse endividamento
das empresas junto da banca resultou da gula pelo imobiliário que conduziu a
700000 casas sem ocupação, nem venda compensadora, embora se prepare novo
aumento do IMI, essa ilegitimidade sem contestação no seio da classe política.
E daí o malparado e as imparidades da banca, como a
dívida fiscal ou de
contribuições para a SS;
·
Há um grave problema
estrutural, de especialização económica em bens (têxteis e calçado) ou serviços
(turismo) baseados no baixo salário e na precariedade, com baixos índices de
tecnologia e forte componente importada; e em concorrência com regiões onde as
normas salariais e laborais são ainda mais rasteiras que em Portugal. E dessa
especialização resulta a crescente periferização de Portugal na Europa e na Ibéria, tal como as enormes assimetrias dentro
do território português;
3 – Algumas questões sobre a
Segurança Social que existe:
·
O impacto do apoio
estatal ao sobredimensionado setor bancário em Portugal, na lógica da equipa,
poderia ser pago mais facilmente se o desemprego não tivesse disparado. Do
ponto de vista de uma lógica abstrata, seria assim mas, o problema é que a
realidade não encaixa facilmente em abstrações e normalmente exorbita-as ou
desmente-as.
·
Ora a continuidade
da situação que conduziu à intervenção da troika, alicerçava-se na deriva
mafiosa que unia sector imobiliário – obras públicas e construção – corrupção
autárquica e financiamentos partidários – concessão desbragada de crédito
bancário – indução no povo de um consumismo anestesiante. Essa continuidade
significaria um país em forma de estaleiro, os empresários a comprar altas
cilindradas para toda a família (pagas pela empresa, claro), as famílias provavelmente
a comprar a terceira ou quarta casa e a verem milhares de imigrantes
clandestinos contratados por negreiros lusos, pendurados em andaimes, etc.
Nessa deriva, o desemprego não teria disparado desde que os bancos portugueses
pudessem ter continuado a recorrer a capitais externos para alimentar a bolha.
E na lógica do conselheiro e sua companha certamente o deficit seria menor, a
SS teria melhor situação, os bancos teriam dinheiro; será que consideram esse
mundo de casino como feliz e eterno, como nas histórias de fadas?
·
Tendo em conta o que
se conhece das teses propaladas pelo conselheiro e alguns dos membros da
equipa, é pouco crível que tenha havido preocupação com a dívida das empresas à
SS que, com dados de 2014, daria para pagar 12
meses de pensões. Essa ligeireza para com as empresas que não pagam as
contribuições insere-se na lógica dos governos de Cavaco que assim favoreciam
ínvios financiamentos às empresas, o que veio a motivar medidas de recuperação
dos valores em dívida, no âmbito do Plano Mateus, com a chegada de Guterres ao
governo. Talvez essa ligeireza tenha dominado a equipa pois a ridicularização
dos sucessivos planos de recuperação de dívida – todos eles apontados como a
última oportunidade, cada vez mais minimalistas e cuja sucessão evidencia que o
anterior falhou -- ensombraria o Vieira da Silva, tradicional ministro PS nesta
área;
·
Que a dívida atrás
referida cresça “normalmente” mais de € 1000 M por ano terá sido contemplado no
excel do Louçã, assim como estratégias para o evitar? O excel será partilhado
em família, sobretudo com o primo Vítor Gaspar que deixou tão boas marcas nas
contas da SS?
·
Terão pensado que a
SS enquanto fundo de pensões (e não só) dos trabalhadores portugueses não deve
estar incluído no perímetro de consolidação das contas públicas? Que os
descontos feitos para a SS estão consignados a fins específicos que não se
podem amalgamar com a gestão dos impostos? E que portanto, há tanta razão para
estarem incluídos no Orçamento do Estado como os fundos privados de pensões?
Misturar Estado com a coletividade dos trabalhadores portugueses é vício típico
das “esquerdas” que andam por aí;
·
Há de facto, um
problema com o envelhecimento da população que tem como causas próximas, a ausência
de trabalho, a emigração, a precariedade de vida, os custos (não socializados)
com as crianças, o preço da habitação… E são estes problemas que se refletem na
SS, no seu financiamento e nas eventualidades para as quais foi erigida; e que
cumpre com muitas deficiências para as quais contribuíram o carocho do Mota
Soares e os ministros Vieira da Silva e Pedro Marques, quando penalizaram em
2005 toda a população trabalhadora com o factor de sustentabilidade; que se
traduz, cruamente, em as pessoas serem penalizadas por terem maior longevidade;
·
Estranhamente o
nosso conselheiro calou-se quanto à saída negociada (?) do euro e da UE,
conforme livro publicado há uns 2/3 anos. Porque pensou melhor no assunto?
Porque não é tema para a mesa do Conselho de Estado; sobretudo naquela reunião
com o Draghi? Ou porque é apenas tema para animar o espírito messiânico de
alguns que sonham com a soberania de um país que a perdeu, de facto depois de
1580?
Este e outros documentos em:
Amigo Vitor
ResponderEliminarConcordo plenamente com a tua argumentação, mas apetece-me ir ainda mais longe, contextualizando. O problema de Portugal aqui descrito, e bem, é o mesmo que o de outros portugais que pululam por essa Europa e por esse mundo. Trata-se não de um país mas de um sistema. Esse é que tem de ser posto em causa. Aliás, o caminho que tem vindo a ser percorrido pelos seus serventuários é, ele próprio a causa da sua ruína. As suas virtualidades de ontem já começam a ser a causa da sua desagregação, que o diga o próprio FMI. Ou seja, o modelo está completamente esgotado e mesmo os seus mais acérrimos defensores não conseguem avançar com nenhuma solução credível e duradoura. Limitam-se a exigir mais do mesmo, como se a receita que nos trouxe aqui fosse aquela que nos poderá tirar do buraco que teima em crescer. Os absurdos multiplicam-se. O partido trabalhista inglês perdeu as últimas eleições por apostar no slogan: "por um capitalismo responsável"...como se tal coisa fizesse algum sentido...
Não esbanjámos....Não pagamos!!!!
Amigo Vitor
ResponderEliminarConcordo plenamente com a tua argumentação, mas apetece-me ir ainda mais longe, contextualizando. O problema de Portugal aqui descrito, e bem, é o mesmo que o de outros portugais que pululam por essa Europa e por esse mundo. Trata-se não de um país mas de um sistema. Esse é que tem de ser posto em causa. Aliás, o caminho que tem vindo a ser percorrido pelos seus serventuários é, ele próprio a causa da sua ruína. As suas virtualidades de ontem já começam a ser a causa da sua desagregação, que o diga o próprio FMI. Ou seja, o modelo está completamente esgotado e mesmo os seus mais acérrimos defensores não conseguem avançar com nenhuma solução credível e duradoura. Limitam-se a exigir mais do mesmo, como se a receita que nos trouxe aqui fosse aquela que nos poderá tirar do buraco que teima em crescer. Os absurdos multiplicam-se. O partido trabalhista inglês perdeu as últimas eleições por apostar no slogan: "por um capitalismo responsável"...como se tal coisa fizesse algum sentido...
Não esbanjámos....Não pagamos!!!!
"António Costa, em vez de correr a pontapé os corruptos que, em menos de um ano de actividade, já se revelaram três zelosos sacristas no gamanço, promete um código de ética para moralizar São Bento…
ResponderEliminarComo se pode moralizar gatunos que aceitam deixar-se corromper pela Galp, uma empresa que não paga ao Estado 240 milhões de euros em dívida – e não 100 milhões, como dizem os jornais! – montante da contribuição extraordinária que lhe foi aplicada sobre os lucros, contribuição que todos os operários pagaram por desconto directo nos seus salários?
Nós rejeitamos os códigos de ética de António Costa, de Sócrates e de Passos Coelho. Nós chamamos o proletariado a derrubar pela força, com todos os meios ao seu alcance, os governos da burguesia, porque todos eles são, como ensinam Marx e Engels ainda hoje, comissões de gestão dos negócios de toda a classe burguesa capitalista.
E sobretudo não se esqueçam: o partido social-fascista de Jerónimo de Sousa apoia, apoiou e apoia… um governo que já soma três declarados corruptos no activo.
Não é de admirar: pois foi um ex-ministro do PCP de Jerónimo, um tal Pina de Moura, quem privatizou a Galp, para a qual depois entrou como administrador, a ganhar 12 vezes mais do que ganhava como ministro das finanças vendedor…
Ah, mas então digam-me lá: isto não é tudo um putedo?!" (estrato de texto de Arnaldo Matos publicado no Luta Popular)