No bail-in, as perdas
dos bancos são colmatadas à custa dos seus acionistas, obrigacionistas e
grandes depositantes. No bail-out são
os estados que se chegam à frente avançando com fundos públicos. Afinal,
pretende-se apenas manter vivo e
operante um sistema financeiro sobredimensionado e politicamente asfixiante.
Para sanear as contas dos bancos, na UE tem havido muita
criatividade. Primeiro, foram os bail-out,
depois a diluição das perdas com bancos falidos nas contas dos bancos
sobrantes, intercaladas com práticas de bail-in,
práticas lesivas de poderosos interesses financeiros e finalmente, para agradar
a todos, os juízes do Tribunal Europeu de Justiça na sequência de uma ação
colocada na sequência de resgates a cinco bancos eslovenos vem colocar em plano
de igualdade as duas formas de resgatar bancos[1].
Apesar desta decisão igualitária, está bem de ver que a preferida pelas classes
políticas será sempre a que poupar a carteira do grande capital.
1 - Numa primeira fase (2008/11), na sequência da crise do subprime, procedeu-se na UE a
nacionalizações cruas (mas não nuas) pois em muitos casos definia-se que a
nacionalização seria temporária[2].
Na prática, feita a limpeza com fundos públicos, conseguidos a partir da
aumentos de carga fiscal e cortes, logo os bancos foram devolvidos às burlas
privadas que caraterizam o sistema financeiro. Aliás, no historial das
nacionalizações, as empresas nacionalizadas serviram sempre os interesses do
capital privado, entregues aos cuidados da classe política[3].
Em Portugal o governo nacionalizou o célebre BPN – a fonte que
financiava oligarcas do PSD – para evitar o risco … sistémico! O BPN
representava 2% do sistema bancário português… Foi apenas um género de anjo
anunciador, se tivermos na memória as falências seguintes (BES e Banif), o
malparado, as imparidades, as criativas formas de martelar os balanços (CGD), o
lixo que se encontra em decantação na Parvaloren ou ainda, a falência de uma
“banqueta” (como tal designado nos meios financeiros) – o BPP – que nunca foi
mais do que um fundo de investimentos para gente rica.
A nacionalização do BPN pelo governo PS de Sócrates, foi um bail-out puro e duro; isto é, o magnânimo
Estado assumiu a massa falida, com todos os direitos e obrigações. Mais tarde,
o governo Passos empurrou parte da mesma massa falida para o “veículo”
Parvaloren, com o banco público CGD a financiar (€3500 M), colocando os
espoliados fiscais como pagadores de última instância mas, com o direito de ver
o gang PSD beneficiário a passear-se por aí, com as poupanças em bom recato. Isabel
dos Santos e o seu sócio na Galp, Américo Amorim, viriam a comprar a
infraestrutura do BPN por € 40 M[4].
2 - A intervenção da troika
trouxe outra ideia criativa. O Estado português, para se compatibilizar com os
mercados, assumia € 78000 M de dívida perante as instituições da troika, incluindo € 12000 M para ajuda aos
bancos; oferecendo em troca austeridade, cortes de salários e pensões,
desemprego e emigração. Essa ajuda, por intermediação estatal – empréstimos com
o sugestivo nome de co-co (contingente
convertible bonds) – veio a ser aproveitada por vários bancos – BPI, CGD,
BCP e Banif – num total de € 5800 M, pagando juros elevados (€ 1115 M até 2015).
O primeiro daqueles bancos, no seio de luta intestina entre o catalão CaixaBank
e a angolana Isabel dos Santos livrou-se, higienicamente, do seu co-co. Os
segundos ainda não os liquidaram pois a provisão de chá de sene não tem sido
suficiente para alijarem os seus co-co’s. Finalmente, o Banif morreu com
obstipação sem pagar, entre outros males, que o herdeiro – o banco Santander
recusou assumir, naturalmente.
O BES, que nunca recorreu aos empréstimos co-co, caiu
diretamente na falência, num contexto de práticas de gestão danosa que arrastou
a PT, uma das empresas do regime, sem que alguém tenha sido responsabilizado,
para além dos incómodos de mais uma inconsequente comissão parlamentar de
inquérito.
3 - O caso do BES inaugurou uma brilhante criação das instâncias
da UE, o mecanismo do fundo de reposição, que serviria para uma partilha das
perdas entre os bancos nacionais, um bail-in
bancário. No caso concreto português, como os outros bancos não tinham vida
financeira confortável, quem se acudiu, uma vez mais, foi o erário público[5],
numa decisão anunciada por um gaguejante Carlos Costa, governador do Banco de
Portugal, evidenciando que o mecanismo inaugurado não estava clarificado na sua
cabeça. Assim, o Estado emprestou € 3900 M ao Fundo de Reposição… para salvar
os ativos saudáveis do ex-BES, no seio do Banco Bom, cognominado Novo Banco[6].
Aquelas instâncias na sua enorme habilidade consideram natural
que, sendo os bancos instituições inseridas num sistema planetário, sejam
estados nacionais a arcar com custos da sua falência; esse saneamento, com toda
a lógica, deveria caber a instituições globais ou, no mínimo, comunitárias,
mormente ligadas ao BCE. Inversamente, o BCE não consulta os estados nacionais
quando procede ao financiamento dos bancos, através do quantitative easing, nem os bancos pedem autorização aos estados
nacionais para as suas operações. Considera-se que os estados e os
contribuintes são pais ricos e benevolentes, sempre prontos a pagar os
desvarios de filhos e enteados no casino, com um sorriso na cara.
4 - Em 2015 mais um caso de falência bancária, o Banif,
especializado na captação de poupanças dos emigrantes, sobretudo madeirenses e
açorianos, num caso em que a ministra Maria Luís se encheu de triste glória. O
BCE decidiu vender os salvados do Banif ao Santander, apontando este como o
grande banco de referência em Portugal, na escala europeia[7];
negócio arrematado por € 150 M. De permeio, o Estado português assumiu
responsabilidades no valor de € 2255 M, dos quais € 489 para cobrir divida do
Banif ao Fundo de Resolução[8].
5 - Nos casos do BES e do Banif revelaram-se as situações dos
respetivos lesados, grandes depositantes particulares que confiaram nas
condições de remuneração oferecidas para as suas poupanças, num contexto de
acelerada degradação dos bancos. À precariedade da rendabilidade acenada para essas
aplicações, dependentes de cascatas de títulos titularizados, juntou-se a
habilidade dos próprios bancos em aliciarem com taxas de juro irrealistas
clientes pouco destros em entenderem ou darem-se conta da frágil bolha em que
se baseia todo o sistema financeiro. Há sempre quem acredite que é possível
comprar galinha gorda por pouco dinheiro e que os bancos são instituições de
beneficência que oferecem juros chorudos sem riscos elevados.
Em 2012, na intervenção da troika
em Chipre praticou-se o bail-in; isto
é, procedeu-se ao confisco da parte acima dos € 100000 em todas as contas
bancárias sediadas no país. Em Chipre, o procedimento teve maior extensão, foi
mais “democrático” do que em Portugal onde só foram afetados depositantes de
dois bancos; em Chipre, a irracionalidade decretada pela troika conduziu ao confisco dos depósitos da companhia de
eletricidade acima daquele valor, que nada tinham de especulativo ou de
poupança mas, fazendo parte do fundo de maneio de uma empresa, fornecedora de
um serviço público a centenas de milhar de clientes.
6 - Recordamos o momento em que Carlos Costa, governador do BdP,
na sua tomada de posse em junho de 2010, referia que "o sistema financeiro
português está sólido"[9]
. Um ano e meio antes, evidenciámos a fragilidade dos bancos portugueses, com
dados que governo e Banco de Portugal conheceriam muito bem[10].
Os bancos, para manterem em crescimento a bolha imobiliária, depois de
esgotarem as poupanças dos portugueses, ficaram dependentes do refinanciamento
bancário no exterior, multiplicando-o internamente sob a forma de dívida,
pública e privada. Com a crise grega, inserida nas réplicas do subprime, os bancos europeus pararam
esse financiamento ao Estado e aos bancos portugueses a partir do final de
2010; e não havendo quem subscrevesse títulos de divida pública portuguesa, os
bancos portugueses deixavam de ter garantias para entregar em troca de liquidez;
e sem esta, como alimentar a bolha imobiliária e o resto da economia,
tradicionalmente com parcos capitais próprios? Ou, como cumprir os reembolsos
dos capitais já tomados no exterior de empréstimo, apenas com as prestações
pagas por famílias e empresas atingidas pela recessão?
Só em 4 Abril de 2011 e perante os banqueiros que lhe vieram
dizer não conseguirem refinanciamento no exterior, Carlos Costa exarou a sua fatwa, que desembocou na intervenção da troika; “O risco é afundarem-se os
bancos, a parte sã, e a República que é a parte que criou o problema”. No plano
de resgate, porém, é o Estado que assume o financiamento direto da “parte sã”, os
bancos portugueses sem capacidade autónoma de financiamento, até um total de €
12000 M; e como é bem conhecido é a debilitada República, sustentada por
trabalhadores, desempregados e reformados que vão trazendo ao colo os pouco
saudáveis bancos.
Os casos do BPN, do BES e do Banif, vieram revelar a realidade da
assunção de responsabilidades públicas perante falências bancárias, o que não
acontece com empresas de setores não financeiros ou com indivíduos/famílias, em
situação de incumprimento; aos quais nem o Estado, nem os bancos acodem que não
na criação de despojos para a predação. Torna-se claro que o evidente caráter
global do sistema financeiro torna-o uma verdadeira coqueluche, merecendo todos
os cuidados e prioridades por parte de estados e burocracias pluriestatais. E
as medidas tomadas não vão no sentido da sua orientação para a aplicação
cuidadosa das poupanças nele colocadas mas, de o deixarem em rédea solta, com
envolvimento nas pirâmides de Ponzi, na especulação, na criação de um
endividamento dos estados, empresas e pessoas que vai muito para além das suas
capacidades de solvência.
7 - Recentemente, as prodigiosas instituições da UE mostravam-se
mais viradas para os bail-ins, mais
ou menos mesclados, como se tem visto em Portugal, nos casos BES e Banif, entre
perdas para acionistas e grandes depositantes, com a comparticipação nada
entusiástica dos bancos existentes, solidários pela força das decisões de
Bruxelas, tendo o erário público como participante de última instância.
Nestas circunstâncias e perante as incertezas da conjuntura ou a
volatilidade dos mercados financeiros, essa probabilidade de intervenção não seduz
capitais para o reforço do capital e dos meios disponíveis para o funcionamento
dos bancos. Por outro lado, a crise que se vive nos últimos anos deixou nas
contas dos bancos um lastro pesado de créditos malparados, incobráveis e
imparidades (em regra contendo eventuais e desagradáveis surpresas); ou, dito
de outro modo, ativos sobrevalorizados que, quando avaliados aos níveis atuais,
muito mais baixos do que anos atrás, obrigarão a registar perdas.
Segundo a escolástica neoliberal, anos atrás, o Estado deve
reduzir a sua presença na economia e não competir com os privados na captação
de poupanças e rendimentos. Porém, quando esses capitais não se apresentam
prontos para o investimento, os neoliberais esquecem-se do catecismo e
mobilizam fundos públicos para a salvação de bancos, com custos elevados para
as populações, em termos de rendimentos e de emprego. Mesmo com esse apoio, os
ditos investidores e as grandes poupanças mostram-se cépticos e não acorrem aos
bancos, fornecendo-lhes solidez financeira.
Daí resulta que as classes políticas – nacionais e comunitárias
- se encontrem com um grande dilema;
·
Prosseguir o apoio público aos bancos em dificuldade significa
aumentar os deficits públicos, incorrer em acréscimos de dívida e no olhar
carrancudo da Comissão Europeia, do BCE, do Eurogrupo e em notas fracas
atribuídas pelas empresas de rating.
·
Prosseguir ou agravar as medidas de austeridade agravando a
recessão económica e o mal-estar social penaliza os gangs no poder em eleições
próximas;
·
Os programas de privatização já foram quase cumpridos na íntegra
e como fonte de receitas futuras não permitem grande coisa, excepto no capítulo
da segurança social (constitui o grande alvo proposto pelo FMI e foi o objeto do
derradeiro despacho de Vítor Gaspar antes de sair do governo[11]);
·
Penalizar os acionistas e detentores de dívida sobre os bancos
desagrada a capitalistas e especuladores que procurarão outras paragens,
prejudicando as contas externas, deteriorando os ratings e elevando as taxas de juro.
Esse dilema é o que também se observa hoje, em Itália mas numa
escala bem superior. Os créditos de cobrança problemática são ali de uns €
360000 M, dos quais € 210000 M de difícil recuperação. Vários dos bancos em
grandes apuros têm um caráter local, financiaram PME regionais entretanto em
dificuldades, com o recurso a pequenas poupanças da população, cujos detentores
sofreram já um primeiro momento de espoliação em finais de 2015. O governo
italiano não quer incorrer nos custos económicos, sociais e políticos de um bail-in e pretende a intervenção do
Estado para diluir para já, perdas bancárias da ordem dos € 70000 M, com o
evidente impacto no deficit público.
Por seu turno, também o Deutsche Bank mantém uma situação que
pode provocar um verdadeiro tsunami a
nível global. Porém, Merkel não intervém porque não quer prejudicar os
detentores de ações e obrigações do DB nem absorver o produto da limpeza do
balanço do banco, através de um bail-out;
dá tempo ao tempo e ninguém acredita que os sargentos de Bruxelas ou
Frankfurt incomodem a generala, com o cumprimento das regras. Veja-se em seguida a dimensão dos
ativos de risco do DB.
Alemanha PIB Zona euro PIB Exposição a derivados DB
Em Espanha, em 2012, a limpeza e reestruturação do sistema
bancário deu origem à constituição de um depósito de salvados, o SAREB que terá
de comercializar até 2027 imobiliário e crédito malparado gerado pelo setor
imobiliário e que em finais de 2015 estavam avaliados em € 42900 M. Empurra-se
o problema para o futuro dentro da máxima de Keynes de que a longo prazo
estamos todos mortos; ou da frase bem portuguesa “quem vier atrás que feche a
porta”. Em Portugal, existe uma instituição semelhante – a Parvaloren – já
referida atrás e que, provavelmente em breve, fará a CGD registar como incobrável
o crédito concedido.
Recentemente, o
primeiro-ministro António Costa defendeu o modelo SAREB uma vez que seria
"útil para o país encontrar um veículo de resolução do crédito malparado,
de forma a libertar o sistema financeiro de um ónus que dificulta uma
participação mais ativa nas necessidades de financiamento das empresas
portuguesas"[12]. Em
sintonia com Costa, o outro Costa, governador do BdP, também defende a
constituição de um "veículo de titularização de crédito hipotecário"
que a troika não perfilhou ao contrário do que aconteceu em Espanha[13].
Costa, nesta matéria e no caso do Novo Banco coloca-se atrás de
Mateo Renzi que tem um problema de toxicidade bancária muito maior e um peso
político muito superior no seio dos burocratas de Bruxelas. Cremos que no
âmbito do autoritarismo vigente nas instituições comunitárias, das desigualdades
que separam Centro e periferias, Norte e Sul, pequenos e grandes estados, não
será de estranhar que haja soluções da brilhante Comissão Europeia diferentes
para Portugal e Itália.
Este e outros
documentos em:
[4] http://www.dn.pt/economia/interior/novos-rostos-do-bpn-americo-amorim-e-isabel-santos-2391738.html
[6] https://www.bportugal.pt/pt-PT/OBancoeoEurosistema/ComunicadoseNotasdeInformacao/Documents/ANEXO1-Delibera%C3%A7%C3%A3o%2011-o8-2014%20-%20Clarifica%C3%A7%C3%A3o%20do%20per%C3%ADmetro.pdf
[8]
https://www.bportugal.pt/pt-PT/OBancoeoEurosistema/ComunicadoseNotasdeInformacao/Paginas/combp20151220.aspx
[13] https://www.noticiasaominuto.com/economia/627076/sistema-bancario-portugues-tem-problema-de-rentabilidade
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