Que tal anular a dívida através de uma imensa redução da
dimensão do sistema financeiro que se apresenta como credor da Humanidade e que
para nada serve no capítulo da satisfação das necessidades humanas ?
Sumário
1 - Nem sempre
quem contrai dívida é quem a paga
2 - O dominante sistema financeiro
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1 - Nem
sempre quem contrai dívida é quem a paga
Como as classes políticas procuram apenas cuidar da sua
notoriedade mediática para garantirem o acesso a fundos públicos e se mesclarem
com o mundo dos negócios, toda a sua atuação se fixa na propaganda, nas
questões conjunturais e, muito pouco nas questões estruturais e de longo prazo
que afetam as sociedades. A questão da dívida é pois, tomada como
trivialidade que não merece grande relevo; apenas importa a sua utilização como
parte da pirotecnia inter-partidária em que se integram também os subservientes
plumitivos.
Não se considera nem se procura incutir nas pessoas e nas
famílias que evitem o enclausuramento das suas vidas no pagamento de dívidas,
no sufoco de longos períodos de prestações, mesmo para aqueles que têm
trabalho; muitas vezes para satifazer caprichos, modas e vaidades. E o sistema
financeiro é muito competente em animar o endividamento.
As empresas, colocadas no caldo da concorrência selvagem
que enforma os “mercados” endividam-se muitas vezes de forma exagerada
tornando-se presas e dependentes dos bancos, que garantem o ressarcimento e a
usura no património das empresas ou dos seus
sócios. Por isso, empresas e empresários são comuns praticantes da burla fiscal, de fórmulas agilizadas de fuga de capital, também usadas pelos escalões elevados da classe política, sendo esta, peça essencial no traçado dos caminhos da evasão; trata-se de uma estrada que empresários, advogados e classe política trilham, sem percalços e em alegre convívio.
sócios. Por isso, empresas e empresários são comuns praticantes da burla fiscal, de fórmulas agilizadas de fuga de capital, também usadas pelos escalões elevados da classe política, sendo esta, peça essencial no traçado dos caminhos da evasão; trata-se de uma estrada que empresários, advogados e classe política trilham, sem percalços e em alegre convívio.
Os Estados, tendem a ser entes mal geridos e encabeçados
por governos que se revezam, todos se queixando dos buracos financeiros, dos
actos de gestão danosa que herdaram do governo anterior; um teatro de fantoches.
Esquece-se a plebe que uns anos antes, a chamada oposição de hoje, que brama
contra o governo, terá procedido de igual modo, anos atrás. No seu conjunto, a
classe política gestora do “pote” vai montando o carrossel eleitoral para gerar
um movimento que mantém tudo no mesmo sítio e com o mesmo pendor para a
desestruturação e o compadrio, tudo conduzido com a ligeireza que resulta de os
membros dos governos nunca serem responsabilizados materialmente pelos danos
que causam. Assim como são lestos a contrair dívida que irá onerar a plebe e
tendo como prestimosos parceiros, a banca, sabendo todos que, enquanto houver
populações de gente desatenta, mansa e disposta a pagar, tudo correrá bem.
2 - O dominante sistema financeiro
A dívida, em geral, é um instrumento do sistema financeiro
para ancorar as suas redes de especulação, de criar e acumular capital de uma
forma expedita. Numa primeira instância, como parcela do sistema financeiro
mais próxima e sentida pelas pesosas, surgem os bancos.
Os bancos comuns procuram entidades físicas, com
localização definida, património e uma atividade consumidora, produtora de bens
ou prestadora de serviços; daí surgirá a formação de rendimentos e necessidades
financeiras correntes ou relativas à expansão de capacidade produtiva, de
reestruturações, saneamanto financeiro, etc. Essas entidades, porque não têm
poupanças acumuladas para esses fins ou porque não as querem aplicar em
aquisições que lhes esgotariam essas poupanças, recorrem ao crédito bancário.
Isto tanto se aplica a empresas, como a pessoas e famílias, procedendo estas,
também ao crédito para efeitos de consumo duradouro (habitação) ou, menos
duradouro (veículos, viagens, pagamento de outras dívidas, etc).
Também o Estado ou outros entes públicos recorrem ao
crédito, para investimento, saneamento financeiro, reestruturação de dívidas ou
apenas porque sim, uma vez que os mandarins gozam de uma enorme
desresponsabilização pelos seus actos de gestão, deixando para o gang partidário seguinte as sequelas dos
seus actos. E sobretudo, porque sabem que existe uma mole de gente
desorganizada, ignorante, distraída ou distanciada da gestão , que paga
impostos, sofre outros tipos de exação, sem que se verifique qualquer ação
punitiva ou sequer, preventiva, face aos membros da classe política pelos
desmandos cometidos.
A plebe, levianamente, considera o Estado, em geral, como
ente fiável e benfeitor ainda que promova corrupção e desvarios administrativos
e financeiros, tomados como desvios
ocasionais, a… corrigir; porém, numa sequência que, de facto, nunca
finda e que é tão velha quanto o Estado. Na realidade, passa-se o contrário, a
excepção vigora como regra; os mandarins utilizam o aparelho de Estado como
plataforma para a concessão de favores a capitalistas para se locupletarem com
contrapartidas corruptas, mantendo os serviços públicos em permanente estado de
desorganização e penúria. Em contrapartida, cuidam de vigiar o grau de
insatisfação da plebe, para evitar penalizações nos circos eleitorais ou, na
pior das hipóteses, cuidando de enviar matilhas de polícias bem armados para
impor a “lei e a ordem”.
Os bancos não ficam sentados à espera que os seus
devedores reembolsem o dinheiro emprestado, embora vá contabilizando os juros.
Por outro lado, os meios financeiros na posse e sob a responsabilidade dos
bancos, na sua grande maioria pertencem aos seus depositantes (devedores ou
não) que utilizam o dinheiro nos seus actos de compra e venda, pagamentos de
salários, impostos, etc; como muito desse dinheiro circula entre as contas dos
depositantes, na realidade não sai fora da órbita do sistema bancário e
mantém-se num montante global relativamente estável – ainda que circulem em
grande velocidade muitos milhões de transações - excepto em situações
excepcionais de crise. Nessas crises o prestimável Estado mostrará o seu poder
majestático reduzindo o volume e a dimensão dos levantamentos das contas
(Grécia, 2015) ou encerrando os próprios bancos, com polícias e tropa à porta
(Argentina, 2001).
Assim, se consolida o mecanismo do multiplicador do crédito. Como é estável o volume de dinheiro
depositado, os bancos podem utilizar parte substancial desse dinheiro – que não
lhes pertence - para a concessão de novos créditos. Neste contexto, um depósito
num banco é utilizado numa pluralidade de créditos concedidos, todos ancorados
nesse mesmo banco. Na realidade, o que se constrói habilidosamente, é um
crescente castelo de cartas que uma brisa menos branda pode mandar abaixo,
ficando um encadeado de dívidas, imbrincadas umas nas outras, sem sustentação;
ou, se preferirem, com uma sustentação que permitirá se diga “no hay pan para
tanto chorizo”.
A globalização, acelerada com a liberalização do sistema
financeiro tornou este, de facto, um sistema mundial e um campo de atuação não
regulada. Esse entrosamento de transações internacionais desenvolve-se em
poucas moedas, por intermédio de densas redes de informação e cálculos
efetuados por poderosos computadores; e daí que fiquem facilitadas as operações
de titularização, como todos os aspetos relativos a algo tão imaterial como os
circuitos financeiros
Estas operações de titularização consistem, não no
desenvolvimento de vários créditos baseados nas reservas monetárias ou
equiparadas de um banco mas na emissão de títulos de dívida junto do “mercado”
e que têm na base um conjunto de empréstimos concedidos aos seus clientes –
empresas, particulares, créditos hipotecários – que não saberão sequer que as
suas dívidas estão na base daqueles títulos. As titularizações correspondem á
agregação de grande volume de créditos e, constituem a base para outras
emissões de títulos de dívida, em cascata. A instituição emissora continua com
direitos creditícios sobre as entidades às quais procedeu a empréstimos mas, ao
proceder a uma emissão de (outros) títulos que terão os primeiros como base,
reaveem antecipadamente um volume de capital mutuado. Por outro lado, o banco
que lançou a emissão de títulos,
obriga-se, naturalmente a pagar uma taxa de juro aos aceitantes daqueles
títulos.
Acontece que nos mercados financeiros, ontologicamente
especulativos, a taxa de juro é pouco relevante e ninguém fica com títulos guardados
à espera do pagamento dos juros. Ali, o importante é a contração do tempo, a
rapidez da decisão, a rendabilidade medida pela mais ínfima unidade de tempo;
ou, se se preferir, a maximização do lucro por unidade de tempo. Para o
comprador dos títulos emitidos na operação de titularização, surgem duas
hipóteses.
a)
Uma, é esperar que surja uma oportunidade para os venderem
com um valor superior ao de compra e, uma vez que as taxas de juro andam muito
baixas, uma venda com um valor pouco cima do de compra compensará o tempo que
decorreria até ao momento do exercício do direito a receber os juros a pagar
pela entidade emissora dos títulos;
b)
Outra, é esse comprador juntar aqueles títulos a outros que
tenha em carteira e proceder, por seu turno, a uma titularização; um processo
que pode surgir em cascata, perdendo-se rapidamente a noção de quem são os
devedores iniciais, a sua localização ou situação financeira. Esse
desconhecimento desenvolveu toda a crise dita dos subprimes, em finais de 2007; subprimes
esses que eram dívidas da classe média baixa americana, incentivada pelos
bancos a contrair novos empréstimos ancorados na valorização (irreal ou fugaz)
das suas casas… até que chegou a insolvência a muitos famílias, com impactos
alargados, em espiral, por quantas instituições que detinham títulos baseados
nas dívidas originais, assumidas por famílias insolventes.
Algumas instituições ou particulares terão um interesse
muito particular em subscrever títulos de dívida pública que funcionarão como
garantias (colaterais) prestadas ao banco central (o BCE na zona euro, o FED
nos EUA, o Banco de Inglaterra…) que em contrapartida entregará moeda/crédito
ao sistema financeiro de base; … alegadamente para que o dinheiro seja injetado
na economia, procurando que esta progrida, que promova emprego,
investimento,“crescimento”, bla, bla, bla...
Os bancos centrais – em regra, impedidos de financiarem os
Estados diretamente e de colmatarem os seus deficits – aceitam que entidades do
sistema financeiro subscrevam emissões de títulos feitas pelos Estados,
alimentando assim, indiretamente, os deficits, na presunção keynesiana de que
um deficit público induz crescimento na economia (?). E aceitam, com toda a
tranquilidade, porque sabem que, em cada Estado há uma classe política que se
encarregará de onerar a população - mormente a que trabalha - com os rigores da
austeridade, da punção fiscal, de polícias e tribunais contra os mais pobres ou
os menos mansos.
Assim, nos leilões de dívida pública observa-se animada
concorrência para a aquisição de títulos, de imediato entregues ao banco
central como garantia de empréstimos concedidos pela autoridade monetária. De
seguida e com alta probabilidade incorporam esses empréstimos no carossel da
especulação de títulos e de toda a variedade de operações no mercado financeiro
global – produtos derivados, swaps, futuros, entre outros.
Claro que a autoridade monetária dirá que com essa injeção
de dinheiro no “mercado” irá verificar-se um acréscimo do… investimento; o que
é uma redonda mentira. A lógica económica capitalista exige um relativo
equilíbrio entre as poupanças existentes, disponibilizadas pelas famílias,
compensadas pelo ganho em juros e as necessidades de investimento, de criação
de meios técnicos geradores de bens e serviços destinados ao bem-estar geral. O
que há é uma criação artificial de dinheiro, em larga medida absorvida pelos
mercados financeiros globais, cuja finalidade é a especulação e não o apregoado
investimento em bem-estar das populações.
O valor calculado para o sistema financeiro, a nível
global, embora muito volátil, é muitas vezes superior ao valor dos bens
materiais (terras, imobiliário, ações de empresas) existentes no planeta; e,
muito mais face ao montante do PIB global que representa os rendimentos
contabilizados a nível mundial, num ano.
O sistema financeiro precisa incessantemente de expansão
de novas responsabilidades assumidas por Estados, empresas e famílias, para
desenvolver, para ampliar os seus mecanismos de multiplicação de capital. E vem
gerando fórmulas tão criativas quanto arriscadas para promover essa maior
acumulação de capital. A Humanidade é envolvida nesse jogo diretamente, em cada
pessoa, como indiretamente através da atuação das empresas e dos Estados. Nesse
delírio, há sempre uma bolha financeira em crescimento, com rebentamente
anunciado para um momento indeterminado e não previsível e que pode ter uma
causa localizada e com um peso ínfimo no contexto global. Tanto pode acontecer,
como em 2007 com os subprimes, como a partir de um conflito militar algures,
como pelo acto de um Gavrilo Princip que decidiu abater um arquiduque
austríaco, despoletando a I Guerra.
Neste contexto…
·
Os Estados e os governos, financiam os seus deficits e
aumentam impostos para pagar os juros da dívida, subindo regularmente os
degraus da austeridade;
· As oposições aceitam a parada exigindo brandamente reestruturações impossíveis, nunca colocando em
causa o mecanismo de constituição da dívida, artificial e opressivo.
· Neste contexto, o sistema financeiro delega as funções de
cobrança nas classes políticas nacionais, um género de guildas de carcereiros
dos povos.
que atitudes se nos deparam ?
Que tal anular a dívida através de uma imensa redução da
dimensão do sistema financeiro que se apresenta como credor da Humanidade e que
para nada serve no capítulo da satisfação das necessidades humanas ?
(continua)
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