Os modelos recentes
de gestão do capital – o keynesiano e o neoliberal – revelam nas crises a sua
inadaptação, sem conjurarem as causas da pobreza, das desigualdades, das
guerras, com o novo fenómeno das massas de refugiados e o agudizar de um clássico
– os desastres climáticos e as alterações climáticas,
O que se revela nas
últimas décadas é o esboroar do poder autónomo dos estados-nação e a condução
das suas classes políticas pelas multinacionais – responsáveis por 70% dos
transportes de mercadorias – em parceria com um sistema financeiro
sobredimensionado, rolando em pista própria, sem esquecer a importância de um
impune capital do crime.
Para essa crise na
infraestrutura económica e social acrescenta-se o descrédito da “democracia
representativa”, que não é democrática e representa muito poucos e a
decrepitude da esquerda tradicional de raiz leninista. Um palco onde eclode o
ovo da serpente fascista, sem que se afirme uma crítica radical, organizada e
sem nacionalidades, à esquerda.
D – A chegada ao sufoco neoliberal
18 - A mudança para o paradigma neoliberal
19
– O acelerar da
globalização capitalista; o encurtamento do tempo
19.1 – A
transição portuguesa
20 - O caráter global da formatação ideológica
21 - O pós-crise de 2008
xxxxxxxxxx +++++
xxxxxxxxxx
D – A chegada ao sufoco
neoliberal
18 - A mudança para o paradigma neoliberal
18 - A mudança para o paradigma neoliberal
Na primeira metade do ciclo iniciado no pós-guerra de 1939/45, observa-se o
seu pendor ascendente, a que correspondem elevados crescimentos do PIB per
capita, tanto mais relevantes porque surgem em época de elevado crescimento
demográfico, com o “baby boom” que se seguiu à guerra e com a importação de
imigrantes que, na Europa, se deslocaram dos países mais pobres para os mais
ricos, para além de magrebinos, paquistaneses e caribenhos. A segunda parte do
ciclo, retrata a sua fase descendente, que se arrasta para além da crise do
subprime, com a afirmação do paradigma neoliberal,
· com a financiarização, os offshores e a dívida que afoga famílias, empresas
e entidades estatais;
· com a religião da competitividade e do empreendedorismo;
· com a precariedade laboral e na vida; com o desenvolvimento da internet,
das comunicações e da computação em geral, que facilitaram a segmentação da
produção e as deslocalizações, a robotização, a aceleração da integração
económica, a desintegração das fronteiras e a monitorização das nossas vidas
escrutinadas nas chamadas big data;
· com a vulgarização da lógica do mercado aplicada a bens e serviços mas
também a pessoas, regimes políticos como na gestão da deriva climática;
· com a impunidade de tráficos diversos, como mulheres, crianças, escravos, armas,
órgãos e estupefacientes;
· com a presença constante de longas guerras, de grande impacto destrutivo,
com a indiferença de quem está fora delas e assiste às destruições de pessoas e
bens num écran. A “arte” da guerra deixou (ainda mais) de ter regras para ser
levada a cabo por cobardes que destroem à distância, sem correrem riscos nem
darem a cara, encafuados a milhares de quilómetros de distância a matar, como
em jogos de computador.
O quadro que se segue é bastante esclarecedor sobre as duas fases do quarto
ciclo de Kondratiev, até 2008; mais adiante abordaremos o período subsequente.
Se o paradigma keynesiano aproveitou as condições favoráveis ao crescimento do
PIB e à melhoria relativa das condições de vida das pessoas, nomeadamente no
Ocidente, ao chegar a meados da década de 70 atolou-se nos problemas de ordem
económica e política do sistema capitalista e abriu as portas às reacionárias
figuras que se agrupavam na Sociedade Mont Pelerin, entre elas, Friederich
Hayek, Milton Friedman e Karl Popper, paladinos do liberalismo económico,
contra a forte intervenção do Estado, como se observava então e da colocação
dos capitalistas como criadores do bem-estar da Humanidade. Como transparece no
quadro seguinte, depois da crise dos anos 70, os neoliberais, assumindo o
controlo da economia mundial mostraram as limitações dos seus paradigmas e que
o problema que continua por resolver se chama capitalismo; seja sob o messianismo neoliberal, seja com o forte empenho do Estado
keynesiano.
Evolução da capitação do PIB ($ 1990)
|
|||||
1.948
|
1.973
|
2.008
|
1973/
1946
|
2008/
1973
|
|
França
|
4.393
|
12.824
|
22.057
|
2,92
|
1,72
|
Alemanha
|
2.834
|
11.966
|
20.801
|
4,22
|
1,74
|
Holanda
|
5.490
|
13.081
|
25.112
|
2,38
|
1,92
|
Suiça
|
9.116
|
18.204
|
25.293
|
2,00
|
1,39
|
Grã-Bretanha
|
6.746
|
12.025
|
24.602
|
1,78
|
2,05
|
12 países da Europa*
|
4.944
|
12.070
|
22.350
|
2,44
|
1,85
|
Portugal
|
2.046
|
7.063
|
14.583
|
3,45
|
2,06
|
Espanha
|
2.186
|
7.661
|
17.734
|
3,51
|
2,31
|
EUA
|
9.065
|
16.689
|
31.251
|
1,84
|
1,87
|
Japão
|
1.725
|
11.434
|
22.175
|
6,63
|
1,94
|
* Ocidental e Norte
|
http://www.ggdc.net/maddison/maddison-project/home.htm
|
Essa fase ascendente que iniciou a quarta onda de Kondratiev sofreu um primeiro
abanão quando a Grã-Bretanha desvalorizou a libra em 1967 e, em seguida, os EUA
(1971) suspenderam a possibilidade de conversão da sua moeda em ouro… o que, de
facto seria impossível de cumprir porque o metal disponível já não tinha
qualquer correspondência com a moeda em circulação. A arquitetura de Bretton
Woods sofria assim, um rude golpe e a instabilidade monetária voltou.
O encerramento do canal de Suez em 1967 (só reaberto em 1975) provocou
grandes alterações no transporte de mercadorias entre a Europa e a Ásia, bem
como no abastecimento da Europa, quanto ao petróleo proveniente do Médio
Oriente. Em seguida, acontece o choque da quadruplicação do preço do petróleo
em 1973, na sequência da atitude concertada dos estados árabes depois da guerra
contra Israel; que serviu também para que os países da OPEP aumentassem o valor
da componente energética no produto global, em detrimento dos países
industrializados; e ainda, para nacionalizarem as instalações petrolíferas na
posse daqueles países, que voltariam, no século XXI, a assenhoriarem-se
daqueles recursos energéticos, no Iraque e na Líbia, na sequência (ou na
causa?) das invasões ocidentais. Em 1979 sucedeu nova subida, devido às
perturbações resultantes da encomenda americana feita ao Iraque para atacar o
Irão; e que originou uma guerra cruenta que se arrastou por dez anos.
Estas alterações nos preços e na logística do petróleo criaram dificuldades
em indústrias essenciais como a siderurgia, a construção naval, a química
pesada e o automóvel, com consequências nos níveis de desemprego, residuais até
pouco antes – e, sobretudo, junto de trabalhadores menos qualificados, mulheres
e imigrantes. Por outro lado, a lógica keynesiana dominante vai promover uma
forte intervenção do Estado nacional e o apoio aos desempregados, cujo número
volta a crescer; e ainda com a exploração das virtudes do investimento público
e do deficit público, com o crescimento do endividamento e da emissão de moeda.
Aos aumentos dos preços resultantes dos acrescidos preços da energia, somam-se os
efeitos inflacionistas do gasto público, num contexto que continua de
estagnação produtiva.
Como a inflação convive com uma recessão isso coloca em causa a lógica
keynesiana para a qual a inflação somente podia surgir em situações de proximidade
do pleno emprego dos recursos e não em fases de recessão e desemprego, quando
existem “factores de produção disponíveis”. Este fenómeno que se veio a chamar
estagflação veio a animar o reacendimento das teses neoliberais, em
experimentação no Chile desde 1973 e, onde passaram a vigorar todas as
liberdades para a acumulação de capital, para a entrada massiva de capitais
externos, para a redução do gasto público, mormente de conteúdo social, com privatizações
e repressão brutal dos rendimentos e dos direitos dos trabalhadores, sob a
cobertura politica de um regime militar fascista.
O Chile, até então um dos países da América Latina com uma democracia de
mercado estabilizada, passa à situação de laboratório neoliberal. Os gastos
sociais a cargo do Estado, em nada se assemelham ao “modelo social europeu”;
enquanto neste último o Estado geria uma segurança social generosa, direitos
avançados no âmbito da estabilidade no emprego, direito à greve, segurança na
doença e no desemprego, os Chicago Boys, no seu ensaio chileno, reduzem os
encargos sociais às situações de indigência, subordinam os direitos laborais
aos desígnios da rendabilidade das empresas, precarizam o emprego através de um
maior poder dos capitalistas, com qualquer contestação laboral, altamente
penalizada e reprimida. O exemplo chileno foi replicado na Argentina, no
Uruguai, na Bolívia, no Paraguai, no Equador, entre outros, ainda que nem em
todas as ditaduras tenham tido o mesmo cariz neoliberal mas antes, o domínio
oligárquico das classes abastadas tradicionais, em ligação com militares fascistas.
19 – O acelerar da globalização capitalista
O modelo keynesiano exigia um elevado e incessante crescimento do PIB que
se tornava difícil de conseguir num contexto de estagflação; mantendo o fetiche
do PIB como objetivo, o paradigma neoliberal, para conseguir crescimento iria
utilizar como instrumentos, a desregulamentação, a privatização, o apoio
estatal à criação de competitividade, o mercado livre em detrimento de
limitações de ordem laboral, salarial e social e as fronteiras abertas à
circulação de bens, capital e (nem sempre) a de pessoas. Do ponto de vista da
multidão de trabalhadores e despossuídos, a gestão keynesiana como a
neoliberal, são apenas duas modalidades
de gestão capitalista; o capitalismo é
sempre um sistema dependente da acumulação de capital.
A propósito daquela dependência, convém frisar aqui que a incontinente
pulsão pela acumulação de capital torna o capitalismo expansivo, em termos
geográficos, em termos sociais e em termos de tempo, este último objeto de uma
luta constante para o seu encurtamento; uma pulsão neurótica. Produzir mais por
unidade de tempo ou o mesmo em menos tempo, corresponde a um aumento da
produtividade que tende a elevar as margens de lucro; conseguir que o
trabalhador produza mais por unidade de tempo é uma forma de reduzir o custo do
trabalho; e se o consumidor for motivado a empanturrar-se de mais comida, de mais
serviços e de mais dívida por cada dia de vida, isso é inseri-lo na luta do
capital contra o tempo, na teia montada pelo capital para o dominar. A lógica
capitalista para o crescimento incessante do PIB faz parte dessa avidez de
antecipação da passagem do tempo; e que se aplica de modo evidente no
funcionamento dos chamados mercados financeiros. E, nada disso incomoda os
incorporantes da lógica neoliberal ou da keynesiana, mesmo aqueles que se dizem
de “esquerda”.
A pulsão do capitalismo para o encurtamento do tempo, comporta o
desenvolvimento da tecnologia, a começar pela náutica, quando se tornou
necessário fazer as longas viagens de Europa para o Oriente ou para a América,
que globalizaram o planeta e que permitiram que a última viesse a ser cavalgada
pelo capitalismo, sobretudo a partir do século XVII, com a colonização
extensiva e o esclavagismo. Como já referimos
recentemente, o problema não é a globalização,
com as trocas de bens, culturas e afetos entre os humanos; o problema é o
capitalismo que desumaniza e abastarda essas trocas, destruindo entre outros danos
colaterais, o ambiente, este, impossível de apropriação privada.
Prosseguindo a abordagem sobre a transição de paradigma no capitalismo, a
crise dos anos 70 evidencia a interdependência entre os países ocidentais,
mormente na Europa ocidental, com poucas diferenciações e, por outro lado, a
sua integração coletiva com os países produtores de petróleo, numa lógica cada
vez mais globalizada que não facilitava soluções específicas no âmbito dos
estados-nação. E essa interdependência vai exigir articulação num contexto
competitivo e de grandes desigualdades, com o recurso à guerra aplicado, então,
apenas aos espaços coloniais e neocoloniais.
Enquanto nos EUA a contestação à guerra do Vietnam aumentava - à medida que
a derrota se aproximava - e o caso Watergate provocava estragos políticos, a
URSS, aproveitando a paralisia americana, garantiu uma forte influência em
Angola e na Etiópia. A revolução iraniana e a desastrosa intervenção militar
dos EUA no Irão foi mais um elemento que favoreceu uma mudança qualitativa, com
Reagan, em 1981, no sentido da aplicação descomplexada e brutal do paradigma
neoliberal, que já vinha a ser aplicado, com enorme determinação por Margaret
Thatcher na Grã-Bretanha, desde 1979. Em ambos os casos foram marcantes as
formas como foram esmagadas as lutas dos mineiros ingleses e dos controladores
aéreos norte-americanos; sem reações à altura da gravidade do momento por parte
das estruturas sindicais, domesticadas e burocratizadas.
19.1 – A transição portuguesa
Na Europa, o fascismo era varrido em Portugal e na Grécia enquanto a morte de Franco atapetava em Espanha uma transição suave que reciclou a oligarquia fascista num futuro rotativismo com o PSOE; e a então CEE que já havia integrado a Grã-Bretanha, a Irlanda e a Dinamarca iria preparar-se para estender a área de integração económica – um mercado único - para sul, aos países saídos do fascismo. A CEE era então, essencialmente, uma área de comércio livre, com um vago projeto político subjacente.
Em Portugal, na época, é bem clara essa situação de crise estrutural,
económica, social e política a exigir uma transição ou mesmo uma mudança. A
crise do petróleo arruinou a estratégia de integração global, montada nos
últimos tempos do fascismo, baseada na química pesada e na metalurgia, afetadas
ambas pela reabertura do Suez. Sucede-se a queda do fascismo e a absorção de
centenas de milhares de pessoas vindas das colónias, a cessação do movimento
migratório para a Europa, dada a crise global e, procede-se de seguida a um
enorme investimento nas empresas descapitalizadas e, por isso, nacionalizadas – transportes, indústria pesada, banca e seguros nomeadamente – com o
desenvolvimento, em paralelo, de um aparelho de estado muito alargado,
confrontado com novas ou mais intensivas funções nos campos da educação, saúde,
coordenação económica, equipamentos sociais… O Estado assumiu assim as funções
típicas de salvaguarda dos interesses do capital, em paralelo com um grande
reforço das suas atribuições sociais, o que se viria a tornar incomportável, a
curto prazo, mesmo que, numa primeira fase, tivesse o apoio de toda a classe
política portuguesa, de direita ou de “esquerda”.
Essa unanimidade rompeu-se rapidamente dando lugar à lenta passagem do
modelo keynesiano bem expresso no programa do primeiro governo do PS para o
neoliberalismo reinante.
a) Numa primeira fase e após um curto período (1974/75) de generalizada luta
dos trabalhadores por melhores salários, a distribuição dos rendimentos
altera-se em seu desfavor logo a partir de 1976, com a instauração do poder
oligárquico que ainda hoje subsiste, já sem militares mas, com uma nova geração
de gente, sem qualidade democrática nem idoneidade pessoal. Em 1977 e em
1983/85 sucedem-se as duas intervenções “regeneradoras” do FMI, com efeitos bem
visíveis (Gráfico 1).
Ainda no gráfico,
pode observar-se que a chegada dos fundos comunitários e a integração europeia,
aliada a uma baixa conflitualidade laboral, só conduzem a melhorias no peso dos
rendimentos do trabalho entre 1990/93, a que se segue um período regressivo[1]
e a estabilização do peso dos rendimentos do trabalho no PIB até 2005 – sem
impactos visíveis da introdução do euro - sucedendo-se, finalmente, a segunda
posição mais baixa, em 2015, num período de 56 anos, na sequência da
intervenção da troika.
Gráfico 1
Gráfico 1
Fonte: Pordata
b) A segunda fase surgiria em meados da década de 90, com as privatizações
acordadas entre o primeiro-ministro Cavaco (PSD) e Constâncio (PS) no âmbito do
qual o “grupo” Estado foi alienando as empresas que haviam sido nacionalizadas
e recapitalizadas; tudo em nome da redução do deficit público que subsistiu a
todas as etapas de privatizações que terão atingido o seu fim (provisório)
depois das que foram ordenadas pela troika.
Entretanto, para favorecer o capital privado, foram criadas rendas no âmbito
das parcerias-publico-privadas (a primeira para a concessão da Ponte Vasco da
Gama foi de 1994) e, assumidos pelo Estado, os prejuízos com o afundamento do
setor financeiro autóctone.
20 - O caráter global da formatação ideológica
Como se vem observando, as instituições de caráter plurinacional visam
objetivos de caráter económico, de facilitação de negócios de multinacionais e
de acumulação de capitais; ou por temáticas que sejam veículos para a
prossecução dos objetivos referidos. As
multinacionais ou as entidades do difuso e volátil sistema financeiro sabem bem
como adestrar as classes políticas ao seu serviço; e sabem que é mais fácil
atuar a partir de instituições que agregam vários estados-nação, do que andar,
de país em país, em ações de convencimento, junto das respetivas classes
políticas. As multinacionais e o sistema financeiro, há muito atuam em bases
globais e, em demasiadas situações, consideram que os estados-nação só
atrapalham a acumulação de capital[2],
com as suas leis domésticas, os seus parlamentos e as suas burocracias. Somente
se mostram mais respeitosos perante alguns poucos países, entre os que detêm
algum peso em termos de empresas globais, com uma dimensão razoável de mercado
(população x poder de compra) e um quadro político relativamente estável; como serão
os casos dos maiores países da UE, dos EUA, da Coreia do Sul, do Japão (mesmo
que protegidos militarmente pelos EUA), da China, da Rússia, da Índia, do Irão,
do Canadá e poucos mais. A própria forma como, no seio da UE, foram
intervencionados, a Grécia, a Irlanda e Portugal, com a monitorização da troika, foi distinta da atitude face à
Espanha, onde a troika não foi
introduzida.
Na área da produção material, a constituição de um capital globalizado,
desnacionalizado, é o produto da segmentação dessa produção, com o
desenvolvimento de cadeias logísticas que incluem sistemas multimodais de
transporte e acomodação de carga, bem como da massificação da informação, da
distribuição e da venda; o que permite a sua gestão num quadro integrado. Embora
com infraestruturas materiais distintas, os serviços e o sistema financeiro
constituem-se também sob uma forma global. Ficam de fora dessa lógica os
milhões de pequenas e médias empresas de âmbito nacional, regional ou local,
sem grandes meios financeiros, muitas delas endividadas, com baixas taxas de
lucro e, tendencialmente sonhando com um mirífico retorno ao passado, ao quadro
nacional, com fronteiras guardadas, moeda própria, cortejadas pelas direitas
xenófobas e fascistas, como pelas “esquerdas” trotsko-estalinistas. Um retorno
ao passado.
Dessa necessidade de gestão global, de subalternização dos estados-nação e
das suas classes políticas resulta a constituição de uma elite desnacionalizada,
mercenária, produtora de um pensamento único e que é uma peça fulcral e
presente em todas as sociedades. Essa elite manifesta-se sob a forma
institucional, formal – FMI, OMC, UE…; outras vezes, em conclaves formais – mas
não institucionalizados - com a presença de representantes dos principais
estados-nação, sejam o G20, o G7, o G8, o G10…; e ainda os discretos encontros
Bilderberg, Davos, Trilateral, das elites políticas com os altos dirigentes da
banca, das multinacionais e dos media,
onde surgem anualmente elementos dos pequenos e médios países, para apreciação (regularmente
são convocados portugueses para os encontros
Bilderberg). E, seria injusto, esquecer o
que designámos por Bilderberg Saloio, reunião dos mais ricos membros do empresariato luso e dos think tanks da paróquia, no já longínquo
ano de 2009.
Essa elite gestora e política constitui os tais 1% (referidos nos
movimentos populares de 2011/13), que constituem o grande estorvo para os 99% e
que detêm um poder enorme, mesmo num contexto de divergências internas, por
defenderem instituições concorrentes, muitas vezes com interesses antagónicos.
É como produto da sua ação e da gestão de conflitos no seu seio, numa escala
global, que se constitui o Império como definido por Hardt e Negri; um Império que
afasta das decisões os outros 99% da Humanidade - incluindo os que ainda votam
nas respetivas classes políticas – onde estão contidos todos os candidatos ao
genocídio a perpetrar para um redimensionamento “rentável” da Humanidade.
Há muito se descobriu que a força bruta do Estado – militares e polícias –
não deve, nem tem capacidade para estar na primeira linha da dominação;
constituem reservas repressivas em situação de constante prevenção, atentas à
voz do comando governamental, quando a multidão desperta da sua letargia e se rebela,
colocando na sargeta aquele pensamento único.
Uma das áreas onde se gera e propaga esse pensamento único é constituída
pelas business schools,
especializadas em “ciências empresariais” e que afastaram do ensino a economia,
a sociologia, a história, como disciplinas de compreensão da integração do social
com o político, focando-se em panaceias ideológicas como o empreendedorismo ou
a competitividade; ou, em técnicas como a contabilidade e a fiscalidade,
integradas em pacotes informáticos estandardizados.
Dominante na maioria dos países ou na configuração das relações económicas
e políticas das últimas décadas, o catecismo neoliberal é incorporado nos
noviços da nova religião da criação de valor (para os acionistas, entenda-se)
mesmo que o seja da forma mais estouvada, como o registo dos ativos (a norma
IFRS 9, segundo supomos) pelos valores de mercado, o que torna os balanços
bastante volúveis, sensíveis aos humores da especulação financeira, podendo a
qualquer momento contribuir para o desabar da próxima crise financeira global.
Os mais cotados ou mediáticos catequistas repartem as suas atividades em
vários segmentos dessa coisa difusa chamada mercado. Destacam-se nas atividades
empresariais como gestores de topo ou consultores[3];
como arautos no mercado partidário; no bem pago mercado mediático, como opinion makers, contribuindo com uma
mistura de banalidades e falsidades para formatarem o pensamento da plebe, com
oráculos sobre os enigmáticos e caprichosos desígnios da economia, que
contrastam com a bem concreta economia doméstica, que se cinge ao equilíbrio
entre o salário e o pagamento dos gastos essenciais ou das prestações de dívidas
que os bancos tanto gostam seja constituída.
No âmbito desse pensamento único, neoliberal, há um conjunto de normas que os
grandes poderes económicos no planeta - multinacionais e sistema financeiro - definiram
para aplicação generalizada, pelas várias estirpes de classes políticas,
nacionais e plurinacionais:
· Um, é a privatização de tudo o que é público, formal ou informalmente, desde
que possa ser fonte de lucro privado, eventualmente com preços inflacionados
para o efeito, como as parcerias público-privadas ou a chamada externalização
de funções; esta, consiste na contratação de empresas para desempenhar funções
específicas no seio dos órgãos públicos – serviços de informática, segurança,
limpeza, refeições… ou essa função miserável de fornecimento de trabalho
temporário, na qual brilham negreiros do século XXI, sob o nome moderno de
empresários. O programa de privatizações da troika
foi muito claro nesse ponto, como nos anos 90 o havia sido, no âmbito do acordo
Cavaco-Constâncio, como chefes dos gangs PSD e PS;
· Ligada à euforia privatizadora e em contradição com a externalização, aposta-se
na redução dos gastos públicos, nos cortes de “gorduras” como é habitual ser
dito e que, monotonamente significam congelamento de salários, redução do
número de trabalhadores em funções públicas e cortes nas áreas sociais; mas…
jamais no capítulo da defesa e segurança, em nome da luta contra o terrorismo.
Na política fiscal, há sempre a preocupação de apoiar as empresas com reduções de
impostos, ao mesmo tempo que aquelas clamam
por isenções,
subsídios e investimentos governamentais
para reduzir os “custos de contexto” e a criação de apoios para uma maior
competitividade; outras vezes, hipocritamente, para contrariar a desertificação
das regiões mais deprimidas. Como dizia o malfeitor Portas, “temos de apoiar as
empresas pois são elas que criam postos de trabalho”; nessa lógica Portas
reescreveria o Genesis colocando Deus a criar primeiramente o empresário para
depois o ofertar com servos. A dívida pública resulta precisamente da
utilização da classe política para a concretização destas normas neoliberais,
incluindo aí a assunção das perdas e dos efeitos nefastos das burlas de bancos
e banqueiros;
· A liberdade de circulação dos capitais inclui a domiciliação de empresas
nacionais no exterior, para alívio da carga fiscal ou a compra e venda de
empresas, infraestruturas, serviços, por parte de capitais ditos estrangeiros,
embora esta designação, vá perdendo significado dado o caráter globalizado das
empresas, nomeadamente quando têm localização em registos offshore. Inclui-se aqui a prestimosa ação dos fundos abutres que
compram empresas em dificuldades, refazem-nas, reestruturam-nas, despedindo em
massa e vendendo depois os despojos, numa lógica meramente financeira, sem
qualquer ligação ao caráter criador de riqueza que se julgava inerente ao
capitalismo, nos seus tempos mais recuados, como consta dos manuais;
· A liberalização das transações e do funcionamento do mercado exige o
desmantelamento das normas que davam alguma segurança aos trabalhadores – no quadro
nacional - herdadas do minguante ou extinto “modelo social europeu”; pretendem
os capitalistas e operam as classes políticas no sentido de que cada
assalariado se torne num precário obediente, esforçado, sem direitos e, se
possível, pago com fundos públicos. Outra vertente dessa liberalização é o
desprezo pela extensiva incorporação de elementos nocivos à saúde humana em
bens alimentares ou, pela produção e disseminação descuidada de lixo e produtos
poluentes que impregnam o ar, os solos, contaminam as águas e que se introduzem
na cadeia alimentar de pessoas e animais. O importante é a “criação de valor”,
a reprodução do capital, a distribuição de lucros aos acionistas mesmo da forma
mais disparatada em termos de gestão[4].
Por outro lado, a displicência em regular a qualidade ambiental e em não
contribuir para conter as mudanças climáticas também acontece para que não
afete a rendabilidade e a competitividade das empresas; mesmo que para tal se
torne necessário reduzir a Humanidade a uns 600 milhões de pessoas, conforme já
ventilado no seio dos conclaves Bilderberg.
· A deriva financeira é o elemento mais dinâmico do capitalismo. O capital,
neste âmbito, resume-se a títulos de propriedade em empresas (ações),
obrigações, títulos de dívida pública ou privada, cds’s e outros derivados que,
naturalmente, dão direito a lucros e juros. Ficaram para trás os tempos da
constituição do capital financeiro, na acepção pioneira de Hilferding, como
resultado da integração entre empresas industriais e bancos, com ambos os tipos
de instituições ancoradas num mesmo estado-nação; conglomerados esses que
procuravam a maximização dos lucros através das empresas que os constituíam,
aproveitando as sinergias entre si existentes e os apoios estatais.
Hoje, mais valioso do
que essas sinergias é, por um lado, comprar e vender esses títulos, com uma
enorme frequência - como se queimassem - mesmo que nessas operações os ganhos
sejam pequenos por unidade; mas, como são transacionados frequentemente e em
enorme volume, isso conduz a que ao fim de algum tempo, esses pequenos ganhos
se materializem em grandes aumentos do valor inicial detido em carteira pelo
especulador. O caráter instantâneo dos circuitos de informação a nível mundial
e a utilização de potentes computadores para a análise das cotações e transações
efetuadas, torna também extremamente rápidas as opções pela compra de uns
títulos e a venda de outros ou ainda pelo seu momentâneo parqueamento numa
conta bancária, à espera de uma oportunidade de aplicação vantajosa. Apesar dos
jornalistas económicos chamarem aos protagonistas desta frenética atividade
“investidores”, o investimento é o que menos os importa, fixando-se nos ganhos
da especulação, na obtenção de lucros sem investimento, sem produção de
quaisquer bens ou serviços; parasitismo puro do ponto de vista social. Outro
aspecto em que se observa o domínio do sistema financeiro é a dívida, das
famílias, das empresas a que se deve juntar a dívida pública. Esta última,
mutualizada para pagamento pela multidão, é uma forma de, através do Estado, se
constituírem rendas a favor
do capital financeiro em geral. A dívida,
é uma forma de assegurar aplicação para os capitais especulativos, de alimentar
a bolha; um dos papéis das classes políticas enquanto agentes do capital
financeiro é convencer a plebe do dever do seu (impossível)
pagamento.
21 - O pós-crise de 2008
Assim como o keynesianismo esbarrou na crise dos anos 70 e deu origem à
vaga neoliberal esta encontrou nas sequelas da crise do subprime a sua crise sistémica que está longe de ser ultrapassada
mas, amortecida, refém, particularmente, da dinâmica económica da China. E,
está por construir um paradigma que satisfaça minimamente a grande maioria da
Humanidade, pelo que o neoliberalismo se arrasta, politicamente com alianças a
grupos fascistas, sem que se afirme uma alternativa de mudança credível e capaz
de entusiasmar os muitos milhões de vítimas da deriva neoliberal; mesmo que
perante cenários evidentes de catástrofe climática ou de políticas deliberadas
de genocídio.
A ligação entre o capitalismo e o Estado, mesmo sendo permanente,
atravessou várias fases:
· O capitalismo nascente ancorou-se a uma forte intervenção estatal, no
século XVII, criou gradualmente os seus empórios nacionais e dessa parceria
constituiu-se o estado-nação, muito útil para proteger os negócios dos seus
autóctones ricos, aliciar a plebe através do patriotismo e fazer a guerra
contra a concorrência;
· No século XIX e durante algumas décadas, até à I Guerra, os liberais que
compreendiam o sistema global à imagem da empresa privada, pensaram arredar o
Estado do seu caminho, com a liberalização do trabalho, a repressão dos
trabalhadores e a livre empresa; mas, sem prescindir da afirmação do
estado-nação da acirrada defesa das fronteiras, da guerra e da expansão
colonial;
· As coisas não correram bem para os liberais e o Estado foi de novo chamado
a um papel central na atividade económica, com o New Deal, os fascismos e o
capitalismo de estado, num contexto de estados-nação isolacionistas, centrados
sobre si próprios, o que não impediu a guerra mais destrutiva e mortífera de
sempre (1939/45);
· Seguiu-se o II pós-guerra, com o surgimento dos órgãos de concertação
plurinacional entre os estados-nação, a que se seguiram casos de integração, na
Europa Ocidental como na Oriental; e, com a continuidade de uma forte
intervenção dos Estados nos capítulos do investimento, da regulação e da
domesticação do trabalho – é o período de domínio keynesiano na política
económica;
· A abertura das fronteiras ao comércio e às transações de capital, aliados a
um desenvolvimento tecnológico apreciável, aumentaram a dimensão e o poder das
multinacionais; estas, continuando sem prescindir dos apoios dos Estados,
passaram a controlá-los, acoplando à sua lógica de acumulação, as classes
políticas, como mediadoras dos seus interesses junto dos povos, ainda mantidos
sobre a ilusão de poder por parte dos estados-nação, na grande maioria destes
últimos. Mais do que nunca se pode dizer que o capital não tem pátria, tem
apenas interesses; mas, certamente que gosta de ver os povos desavindos,
infetados pela tara patriótica.
· A evolução tecnológica no campo das comunicações e da computação, associada
à liberdade de movimentação dos capitais, da sua capacidade para se isentarem
de regulações e imposições fiscais, permitiu a constituição de um poderoso
sistema financeiro, em grande parte desconectado face à economia dos bens e
serviços (a chamada economia real), como do mundo social e do trabalho mas,
cujas disfunções são determinantes para o desastroso estado do mundo.
Reproduzimos, a propósito, uma frase de Mikhail Gorbatchov[5]
: “… as estruturas financeiras, que não
são controladas por ninguém, rapidamente se adaptaram à globalização e tiraram
vantagens dela, criando “bolas de sabão” umas após as outras e fazendo milhares
de milhões literalmente a partir do ar. Esses milhares de milhões ficam à
disposição de um grupo cada vez mais reduzido de pessoas que fogem ao pagamento
de impostos”. E, recentemente, estão nas notícias essas “bolas de sabão”
como a bitcoin e as
suas cópias que vão surgindo um pouco por
todo o lado.
· Finalmente, a relevância do sistema financeiro e a produção das
multinacionais, segmentada e espalhada um pouco por todo o lado aceleraram a
globalização, vêm-na controlando. O fim da URSS que, à partida, parecia a
vitória do neoliberalismo sobre o capitalismo de estado – o Fim da História, de
Fukuyama, já objeto de autocrítica do seu autor – destruiu aquele modelo político
e económico mas não transformou quer a Rússia como a China, em simples corredores
dos fluxos das multinacionais, mantendo-se ali Estados ancorados em
partidos-estado, determinantes e interventivos na gestão dos respetivos
estados-nação.
Este e outros
textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
https://pt.scribd.com/uploads
[1] Não resistimos em divulgar dois episódios anedóticos provenientes do
economicismo doméstico. No princípio da década de 1990, Abel Mateus que entretanto
circulou pelo BdP e pela Autoridade da Concorrência, construiu um fabuloso modelo
macroeconómico que anunciou um crescimento do PIB em… 10%. E pela mesma época,
o ministro Braga de Macedo, em comentário à crise recessiva que se verificava
na Europa, referiu Portugal ser um oásis (!)… que no gráfico mostra afinal ter
estado seco, sem dar tâmaras, embora com camelos por lá estacionados.
[2] Na sua boçalidade e arrogância Trump torna
isso bem claro ao referir-se recentemente a “países
de merda”
[3] Os consultores de topo são poucos e
caraterizam-se por “amarrar o burro à vontade do dono”. Recentemente a
Price (PwC) foi
banida da Índia; e, em Portugal, nos casos do BPN ou do BES, os auditores
também “não detetaram” o resvalar das contas (como aliás o BdP que também
utiliza as preciosas empresas de auditoria), mesmo que principescamente
pagas.
[4] Uma empresa publica portuguesa, os CTT (serviços postais), ao ser
privatizada pelo governo Passos, foi brindada com uma autorização para o
exercício da atividade bancária, transitada gratuitamente pelo banco público
CGD. Percebeu-se bem o negócio; os acionistas – entre os quais a grandiosa
Goldman Sachs – recebia umas centenas de balcões espalhados pelo país onde funcionam
os serviços postais que veriam acoplados serviços bancários. O CEO encarregue
dessa mescla serviços postais/bancários foi um tal Francisco Lacerda, com um
salário anual de um milhão de euros, certamente muitas vezes superior ao da
média dos trabalhadores dos CTT. Recentemente, a empresa apresentou elevados
prejuízos e o Lacerda apontou para 800 despedimentos ao mesmo tempo que
distribuía gordos dividendos pelos acionistas; num acto de comovente
solidariedade, o tal Lacerda terá baixado o seu salário para uns miseráveis €
750000, num acto de autoflagelação que cai bem a um antigo frequentador da Universidade
Católica. Sobre o tema destacamos aqui comentário do jornalista Nicolau Santos
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