Recentemente,
falou-se na Assembleia da República em reestruturação da dívida pública.
No
habitual discurso tecnocrático sobre o assunto por parte da classe política,
tenta-se manter a plebe ensopada em refrescos gelados carregados de açúcar. Uns
defendem o “pagamos obedientemente”[1]; outros
preferem um “pagamos obedientemente mas agradecemos uma atençãozinha”[2]
Façamos
um simples exercício:
1. Ao que parece, em
Bruxelas congemina-se algo no sentido de aliviar a carga da dívida, embora
apenas possam ter margem de manobra sobre as instituições credoras da UE, (FEEF
e MEEF), cujas dívidas são respetivamente de € 27328 M e 24300 M e cujos
reembolsos se iniciarão em 2025 e 2026. E não sabemos se o FMI, com um crédito de
€ 18480 M, com pagamentos a partir de 2018, estará incluído nessas
conversações.
2. Para uma dívida
pública portuguesa de € 240000 M (setembro) aqueles credores institucionais da
UE representam apenas 21.7% do total. E será compaginável que os outros
titulares daquela dívida pública – sistema financeiro e particulares – também
participem no bodo aos pobres?
3. Se existir um tal
alívio vindo de Bruxelas/Frankfurt – previamente abençoado pelo Schauble, claro está - digamos de 1%, isso representaria, no próximo ano, uma redução dos
encargos com a dívida de € 516 M. Para valores de 2016, os encargos totais com
a dívida pública passariam dos atuais € 800 por habitante para € 748, o que
nada altera ao problema de fundo; a escravidão pela dívida.
4. A concretizar-se
esse alívio, ele poderá significar uma tentativa de reduzir o impacto das
subidas das taxas de juro se Draghi acabar com o quantitative easing, em março próximo. Recorde-se que nos EUA
fala-se na subida de taxas de juro, para breve, decretada pelo FED.
5. Em 2005 os encargos
com a dívida pública representavam 2.5% do PIB e, em 2011 com a intervenção da troika passaram a 3.4% (a fatura de
juros aumentou e o rendimento global baixou). Nos anos seguintes, incluindo
2016, o custo dos encargos com a dívida tem variado entre 4.3 e 4.7% do PIB.
6. Se de Bruxelas/Frankfurt
viesse uma benesse da ordem dos € 516 M a menos nos encargos com a dívida, o
valor total daqueles, com dados de 2016 passaria a 4.25% do PIB.
7. Alguns pensarão que
isto ajuda. Desenganem-se. A dívida desde 2010 cresceu cerca de € 14700 M por
ano enquanto o divino PIB aumentou anualmente € 2317 M; e é fácil pensar
que pagar juros e amortizar capital NÃO É POSSÍVEL,
com já foi demonstrado aqui
há três anos e mais recentemente aqui
. Nos últimos anos, a dívida vencida e paga é
substituída por nova dívida, não havendo qualquer redução, como se mostrou atrás.
A Grécia
oferece um exemplo dramático do que significa a
subordinação imposta pelo capital global e as suas instituições, Comissão
Europeia, BCE, Eurogrupo, FMI; tudo em nome de uma dívida que, mesmo
absolutamente impagável, se continua a considerar que o será.
8. A dívida é uma
armadilha que o sistema financeiro mantém para constituir rendimentos
permanentes a seu favor, para capturar parte crescente dos nossos rendimentos
presentes e futuros. E as classes políticas trabalham a seu favor quando
pretendem convencer as pessoas consideração de que a questão da divida é um assunto
económico e que a trama montada pelo sistema financeiro a nível global é porque
“gastámos além das nossas capacidades”. E as classes políticas trabalham a seu
favor pois enquanto os povos aceitarem ser burlados, elas vão vivendo bastante
bem, com as suas mordomias e os seus negócios corruptos.
9. A dívida imposta
pelo sistema financeiro e pelos seus funcionários da classe política É
ILEGÍTIMA, não tem de ser paga. NÃO HÁ UMA SOLUÇÃO DE CARIZ ECONOMICISTA PARA O
PROBLEMA, APENAS UMA SOLUÇÃO POLÍTICA. O sistema financeiro global tem de
encolher ou desaparecer na sua actual configuração arcando com os prejuízos nos
seus balanços, para que os povos possam viver sem o torniquete da dívida,
pessoal e a dita pública, que lhes é imputada pelas classes políticas, através
de cortes em direitos e impostos.
10. Sendo o sistema
financeiro global e o problema da dívida também global, NÃO
HÁ SOLUÇÕES NACIONAIS, sobretudo em países
pequenos e médios, sem qualquer soberania. Todos os que não relevam a questão
da armadilha da dívida; todos os que se preocupam mais com a moeda, defendendo
encerramentos nacionalistas, constituem reedições do fascismo e do nazismo que
conhecemos nos anos 30 do século passado.
Este
e outros textos em:
https://pt.scribd.com/uploads
Sendo um problema global e estrutural; considerando que todos os países têm dívida pública -exeção de alguns asiáticos- entre si; porque não fazer um encontro de contas??? se a UE tem mecanismos em que a Comissão pode negociar em bloco -a favor dos EM- porque não se negoceiam as dívidas de cada EM desta forma? enquanto na UE os direitos, deveres e condições de vida não estiverem ao mesmo nível; não haverá nada a fazer e mais cedo ou mais tarde, caminharemos para uma 3ª Guerra Mundial.
ResponderEliminarA Europa sempre foi um espaço de desigualdades, sobretudo depois de se ter alargado a Sul e Leste. A tara da deslocalização permitiu que poucos países tenham balanças comerciais positivas e entre eles a Alemanha, a China e o Japão. Esses excedentes transitam para os bancos que têm de os colocar para renderem. Como na Europa grassa a recessão é preciso que alguém se endivide e sem riscos para os bancos. E quem melhor que os Estados que têm populações por detrás? Assim surge a armadilha da dívida pública, usada como garantia pelos bancos para acederem aos fundos do BCE para uso na especulação, na engorda da bolha financeira. A mesma logica prevalece para com as pessoas, induzidas a entrar no carrossel do consumismo e da dívida que cativa os rendimentos do resto da vida ao pagamento dos créditos. Estados e pessoas estão na armadilha da dívida, com o apoio das classes políticas aos desígnios do sistema finaceiro. Por isso falam de reestruturação sabendo toda a gente que a dívida pública não é pagável; e dado esse conluio, não colocam a ilegitimidade de uma dívida constituida de modo forçado pelo sistema financeiro.
EliminarNeste blog poderá ver os três textos sobre Centro e Periferias e sobre a dívida, vários como referido no texto que comentou. Cumprimentos GT
note-se que os Estados não devem apenas a outros Estados (seja directa ou indirectamente, via FMI ou bichos do género). (uma boa forma de começar qualquer investigação é sempre levantar a questão: quem é que beneficia com isto? ou, se quisermos doutro modo, e por redução ao absurdo, se uma coisa existe há já bastante tempo, e se só chateia, porque é que nunca se acabou com ela?)
ResponderEliminar"a questão: quem é que beneficia com isto? "
EliminarExatamente. Se uma dívida é constituída por imposição externa com a conivência da classe política, que nunca pergunta nada quando emite mais papéis de dívida; e se para mais essa dívida não é aplicada na satisfação de necessidades de um povo, essa dívida é ilegítima
Renegociação e reestruturação não são conceitos tão distintos quanto isso. Em qualquer dos casos subjaz a ideia de alteração em prazos, valores, taxas. Não há razão para tanto agastamento. A questão da legitimidade surgiu, de facto no texto do projeto de resolução nº 456/XII(2ª, do GP do PCP mas não tem sido exatamente uma bandeira de luta. Aliás, o PCP tem defendido mais a saída do euro e da UE numa lógica nacionalista que constituiria um desastre maior que o atual, do que referir a dívida, esta sim o grande torniquete que afoga os povos, sobretudo da periferia europeia. O PCP não releva o papel da dívida - toda ela - como instrumento de captura dos povos pelo sistema financeiro. E sendo este global e Portugal, para o melhor e para o pior, não pode separar-se da Europa, sobretudo de Espanha, daí que se diga não haver soluções nacionais; como aliás se viu com o que aconteceu na Grécia com um governo dito de esquerda. Naturalmente que é necessária uma luta nacional mas integrada nula luta com os outros povos europeus, o que não acontece e vai favorecendo a subida das forças fascistas face às quais os partidos da esquerda institucional não se demarcam verdadeiramente; por exemplo, adotando idênticas posições face ao euro, à UE às nacionalizações e sem colocarem em causa essa treta chamada "democracia representativa" que mantém a esmagadora maioria das populações como espectadores da política... enquanto se não enjoam. Meu caro, o tempo dos estados-nação está a acabar, excepto para alguns de grande poder; o capitalismo chegou ao domínio através da divisão das pessoas em patriotismos, uns contra os outros e agora que é globalizado, os estados-nação tendem a ser grandes autarquias (as NUT-1 na nomenclatura da UE). A luta dos povos ou se globaliza, interage e se coordena ou ao Imperio corresponderá o big brother, o fascismo. Leia com mais atenção o que escrevemos
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